domingo, 22 de junho de 2014

Festas Juninas, Quadrilhas e Identidade Camponesa.

Festas Juninas e Quadrilhas! Como gosto das festas juninas e das quadrilhas. A festa dos santos católicos e da comemoração à colheita do período de safra. Comidas típicas regionais, muita música, fogueiras, fogos de artifício e as famosas danças de quadrilhas. Quadrilhas que se modificam de região para região, mas têm sempre uma estrutura coreográfica característica. Dança em pares, formam círculos e fileiras variadas. 

A dança que se popularizou no Brasil vem de origem das Cortes Inglesas e Francesas e chega ao Brasil sob a influência francesa no início do século XIX, o nome quadrilha deriva de "quadrille" - dança de quatro pares - e os comandos dados pelo marcador da quadrilha vem do francês como por exemplo o famoso "Anarriê", do francês En arrière (um passo atrás (Ramos, 2012). Como manifestação da nobreza europeia, ela chega ao Brasil a partir das festas da corte portuguesa no Rio de Janeiro, se espalha pelo interior do continente e vai ganhando os traços caipiras e do sertão brasileiro. 

Como o momento da classe trabalhadora camponesa festejar suas conquistas era o período entre-safras, as danças de quadrilhas passaram a ser manifestações incorporadas pelas festas juninas que já era tradição nos sertões do Brasil. Eram momentos de agradecer pela colheita, fazer orações a santos padroeiros - santos juninos  como Antônio, João e Pedro -, momentos também de se casar, pois depois voltava à nova safra e aos trabalhos na roça. As danças de quadrilhas então, passam a ser realizadas em festas de casamentos no mês do santo casamenteiro - Santo Antônio.

No final do século XIX (por volta de 1890) o Brasil entra no processo de industrialização e urbanização, as pessoas são estimuladas e, muitas vezes, obrigadas a saírem do campo e partirem para as cidades em busca de outras alternativas de trabalho diante da opressão dos grandes "barões" da terra sobre os camponeses e do interesse das indústrias em ter concentração de pessoas para trabalho e consumo de seus produtos nas cidades.

As festas juninas passam a ser uma forma de representar a vida do campo na cidade e marcar o imaginário popular sobre a história de uma sociedade de origem agrária como é a brasileira. As representações foram ganhando o etnocentrismo citadino, a vida urbana e a modernização das cidades foram distorcendo as leituras sobre as manifestações camponesas, aliadas à uma literatura e educação urbana que via no homem e na mulher do campo pessoas ignorantes, rudes, preguiçosas, etc. o termo roça e roceiro que antes eram sinônimos de orgulho passam a ser ressignificados como termos pejorativos. 

As festas juninas, principalmente nas regiões sudeste e centro-oeste passam a retratar de forma pejorativa os povos do campo, escolas que reproduzem a ideia do "Jeca-Tatu". Em trabalho recente desenvolvido com movimentos camponeses, pude ouvir de crianças e adolescentes do campo que se sentem envergonhados com as festas juninas de suas escolas. Calças remendadas, andado desajeitado, roupas rasgadas, chapéu furado vão se tornando figurino preferido das festas juninas nestas regiões. Completamente o contrário de todo glamour e pompas das quadrilhas nos tempos de vida no campo. 

O camponês e a camponesa vestiam as melhores roupas, os dançarinos das quadrilhas esbanjavam brilhos, coloridos, armações nos vestidos, tudo para se aproximar das festas das cortes. O cetim, a ceda e o linho davam lugar aos vestuários cotidianos da lida com o trabalho no dia-a-dia do campo. Acredito que a vontade em querer expressar mais a vida "difícil" do camponês, a partir da leitura do citadino, e menos as quadrilhas como danças da época, é que pode ter transformado as quadrilhas em um "espetáculo" etnocêntrico e, algumas vezes, preconceituoso quanto a vida e o mundo rural. 

Ao visitar as páginas de grupos sociais de quadrilheiros pela internet, ler artigos, revistas e jornais, percebe-se que a maior parte das manifestações de quadrilhas que expressam o rural rude e atrasado está basicamente nas escolas de educação básica. Em busca de uma identidade camponesa mais forte e de valorização de suas culturas e saberes, os movimentos sociais do campo como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, Comissão Pastoral da Terra - CPT, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais STTRs, entre outros, vêm propondo ações e projetos educacionais como Pedagogia da Terra, Pedagogia da Alternância, Escolas Família Agrícola, onde as manifestações culturais entram em pauta, entre elas as quadrilhas e as festas juninas no campo e nas cidades. Neste contexto, abordam, também, outras manifestações que expressam o mundo rural como a Catira, Carimbó, Folias de Santo Reis e do Divino, Sússia, Jiquitaia, entre outras. Mas a grande questão é: como desconstruir o estereotipo pejorativo do homem e da mulher do campo na sociedade hegemonicamente urbana brasileira? As quadrilhas por tudo que representam no imaginário da sociedade pode contribuir nesse processo?

Duas grandes regiões geográficas se tornaram fortes nas manifestações de quadrilhas, a região caipira do interior do  Centro-Oeste, acrescida e parte do interior de São Paulo e Minas Gerais e a Região Nordeste. Nesta última podemos encontrar festas juninas carregadas de pompas e glamour. De vestidos caros, figurinos típicos de peças musicais e um repertório de enredos que contam diversas histórias a partir da literatura (principalmente o cordel) e história regional. A presença das figuras do Rei e da Rainha, do Noivo e da Noiva, de uma certa forma, busca se aproximar da tradicional quadrilha do século XIX. Campina Grande, na Paraíba se torna uma referência nacional do gênero no país. A migração de pessoas dessa região para Brasília, São Paulo e Palmas fortaleceu este gênero em festivais de quadrilhas existentes nessas localidades. Tocantinópolis, no norte do Tocantins, realiza o Festival Arraial da Alegria de Tocantinópolis com seus 26 anos de existência. Em lugares como no interior do Rio de Janeiro, Brasília, e em Goiânia grupos de quadrilhas se organizam para apresentar danças caipiras tentando expressar a cultura rural sem cair no estereotipo do caipira desarrumado e maltrapilho.

A Confederação Nacional de Entidades de Quadrilhas vem realizando encontros e divulgando por todo o país a realização de campeonatos e festivais de quadrilhas. No facebook podemos encontrar a comunidade Os Quadrilheiros do Brasil. A aproximação dos movimentos camponeses com os movimentos quadrilheiros pode ser de grande importância para ambos movimentos. De um lado os quadrilheiros passam a ter contato maior com a vida e a realidade do campo na atualidade e por outro os movimentos sociais do campo podem difundir melhor suas culturas e identidades evitando grandes distorções e diminuindo o urbanocentrismo sobre suas culturas. 

E vamos que vamos, que o pé-de-moleque, o quentão, o milho verde, a pamonha e a canjica me esperam. 

Abraços

Prof. Ubiratan Francisco
Educação do Campo - UFT Tocantinópolis


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sua existência já basta. Dragão 77 anos.


Em 2005, fui, em uma manhã de domingo, ao Bairro de Campinas - tradicional bairro que já foi uma cidade e é bicentenário - assistir a um jogo de futebol no Estádio Antônio Accioly. Não era um jogo simples qualquer, era um jogo carregado de história, emoções e paixões. Estava voltando à praça esportiva goiana o clube de futebol mais antigo do território goiano. 
O ATLÉTICO CLUBE GOIANIENSE, fundado em 2 de abril de 1937, havia ficado dois anos nas cinzas, literalmente destruído por maus administradores que o levaram ao fundo do poço. Após quase duas décadas de jejum de títulos, de humilhantes derrotas para seus rivais goianos e sua queda para a série C do Brasileiro, a maior surpresa foi presenciar o estádio lotado para assistir a um simples amistoso contra um clube de Brasília que não tem poder atrativo em Goiânia. 
Mas por que as pessoas estavam lá? Por que uma paixão renascia nos corações de milhares de Atleticanos. As lágrimas escorriam nos rostos de torcedores e torcedoras de todas as idades, as crianças se divertiam, a maioria absoluta estavam pela primeira vez em um estádio e viam pela primeira vez a torcida e o clube tradicional de campinas, dentre elas estava o meu filho mais velho Nelson Francisco, na época com três aninhos apenas. 
Ninguém em sã consciência acreditava naquele momento que o Atlético viria a ser em quatro anos uma equipe de série A do futebol brasileiro. A emoção de todos e todas que se encontravam por ali naquela manha ensolarada de domingo era única e exclusivamente porque nosso querido rubro negro goiano estava de volta. Ver suas cores entrar em campo, ver suas bandeiras tremulando pelas arquibancadas já foi algo a ser sonhado por tamanha crise em que se encontrava nosso clube campineiro. Chegamos a indagar: será que um dia o Atlético vai voltar para nosso futebol?
Pois ele voltou em 2005 e em 2006 já mostrava sua importância para nosso futebol, estádios cheios, grandes jogos, grandes clássicos e duas finais seguidas contra o clube esmeraldino que foi de tirar o fôlego. Voltou a disputar a série C do Brasileiro, onde conseguiu o acesso à série B e em seguida para a tão desejada Série A do Brasileiro.
Mas não quero falar dos títulos que ele voltou a ganhar, não vou falar de jogos históricos como contra o Fluminense em Goiânia numa virada histórica ocorrida contra o campeão brasileiro de 2010, nas vitórias expressivas contra o Corínthians de Ronaldo e Cia. e outras vitórias expressivas no cenário nacional, mas quero falar apenas da emoção que sentimos em apenas ver esse time em atividade. Não importa a série, não importa onde, só importa que você existe para uma imensa torcida rubro-negra que nunca te abandonou e nunca irá abandonar.
Por isso, esse amistoso foi um marco histórico na vida de nós atleticanos, pois, não valia, pontos, não valia rivalidade mas valia a existência e o amor pelo Atlético Goianiense. Alí, naquele momento, a emoção que tomava conta de todos e todas era sua única e exclusiva existência. 
Parabéns Hoje pelos seus 77 anos de existência. 2 de abril, o dia que para nós atleticanos significa muito, mas muito mesmo, pois é o dia do nosso amor rubro-negro.
Parabéns Diretoria, Jogadores, Comissão Técnica e Torcedores e Torcedoras. 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Copa do Mundo, Manifestações e a Moral do Futebol

Observando nas redes sociais e nos noticiários das grandes emissoras as manifestações de milhões de pessoas contrárias à realização da Copa do Mundo no Brasil. Milhares de charges ironizam cenas protagonizadas por membros do comitê organizador da copa no Brasil e de políticos dos Estados e Governo Federal. São indignações interessantes que partem da mesma raiz: Porque investir tanto para realização da Copa do Mundo de Futebol enquanto o país ainda precisa de maiores investimentos em coisas como a saúde e a educação? 

As perguntas que me vêm à cabeça são: Será que as pessoas estão mais conscientes sobre gastos públicos dos municípios, estados e união? Será que a realização da copa do mundo fez o povo acordar para a realidade do futebol e suas relações geopolíticas? Será que isso não é apenas um oba-oba proporcionado por uma avalanche de ataques ao Governo Federal pela mídia que usa a copa para fragilizar um governo que sempre teve como tema as políticas sociais? Por que somente a copa do mundo está sendo questionada e o futebol em si não?

Vou começar minhas reflexões pela última pergunta. A Copa do Mundo é apenas a ponta do "iceberg" no que diz respeito ao uso do futebol como instrumento de alienação no Brasil. Tá bom, vamos lá. De que adianta criticar a construção de estádios para clubes particulares e públicos? Com rios de dinheiro derramados em verdadeiras máquinas de corrupção, alguns , todos sabem que serão verdadeiros elefantes brancos construídos em cidades que não tem grande apelo público no futebol local e que ficarão sem justificativa sua construção, como o caso de Brasília, Cuiabá e Manaus. Todos vêem com indignação a construção de outro estádio na Cidade de São Paulo e desta vez para favorecer um clube particular de futebol. O mesmo acontece em Curitiba e no Rio Grande do Sul. 

A desculpa é sempre a mesma: "são investimentos privados", será? No Brasil que tradicionalmente as transnacionais constroem barragens hidrelétricas, mineradoras, industrias do agronegócio, entre outras com financiamento do BNDES, será que os estádios serão diferentes? Será que vão construir sem, ao menos, um incentivo de recursos públicos, mesmo que seja por meio de negociações de dívidas com a União ou Unidades da Federação? Só sei que esse discurso não colou e a população cobra mais investimentos em hospitais, escolas, estradas, universidades, etc. E por que não, investimentos privados nessas áreas? Essa tradição ainda não pegou no Brasil, a não ser quando uma grande empresa é multada por crimes ambientais e tem como punição investir em educação, cultura ou meio ambiente.

Mas e aí? Quem cobra isso hoje nas ruas ou nas redes sociais, provavelmente tem um time de futebol do coração, compra camisas desse clube, vai aos seus jogos, contrata canal de TV fechada para acompanhá-lo em jogos fora de casa, investe em produtos com a sua marca, etc. Já parou para pensar que esse clube e sua paixão por ele é o que justifica a realização da Copa do Mundo no Brasil? Afinal o que faturam esses clubes e a CBF e seus parceiros, entre eles a Rede Globo de Televisão, é algo que fez ser implantado na cabeça do torcedor que o "Brasil é o País do Futebol". 

De que adianta protestar contra a realização da Copa do Mundo e achar comum quando os grandes clubes de futebol brasileiro devem centenas de milhões de reais para a União por dívidas trabalhistas e previdência social e ainda são beneficiados com patrocínio de empresas como Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Eletrobrás, etc.? Qual a contrapartida social desses clubes para a sociedade brasileira? Fazer você gritar gol pelo menos duas vezes por mês? Espalhar escolinhas de futebol em que mensalidades não são nada populares e ainda vendem suas marcas e produtos para milhões de crianças que sonham ser jogador de futebol e menos de 5% terão chances de tentar no próprio clube? Talvez o maior legado hoje deixado pelos clubes de futebol seja as maravilhosas torcidas organizadas com suas cenas de barbárie apresentadas em horário nobre para nossas crianças.

A realização do Campeonato Brasileiro teve forte apoio da Ditadura Militar quando viram o poder de alienação do futebol sobre o povo brasileiro. Mas o problema não o futebol em si, eu mesmo sou fanático por futebol, o problema é como ele se tornou instrumento político e de corrupção no Brasil. Os clubes são ligados a deputados federais, estaduais, vereadores, prefeitos, senadores que muitas vezes são eleitos e reeleitos ás custas de investimentos públicos em clubes de futebol. O problema não é o futebol em si mas a forma como ele revela no Brasil um conjunto de esquemas de favorecimento a pequenos grupos sem levar benefícios à sociedade de forma geral. Jogadores que ganham muito além de acima da média da população, esbanjando fortunas e promovendo "shows" particulares pelo Brasil afora, prostituição de mulheres, inclusive de menores e drogas são alguns produtos desses "shows". Mas todos acham normal. E tem dinheiro público nisso tudo, ou vamos esquecer da "Caixa" estampadas nas camisas? Das sedes de clubes que recebem dinheiro para reformas ou ampliação, das áreas públicas que deveriam servir à população mas que são "doadas" para clubes de futebol. 

Em Goiânia isso virou uma febre, os três clubes da capital são constantemente beneficiados pelos poderes públicos municipal e Estadual ao longo da história. Áreas doadas, reformas financiadas e patrocínios de empresas públicas. No interior nem precisa falar nada né, as prefeituras montam suas equipes à base dos recursos públicos e a cada 4 anos, período eleitoral, uma delas chega bem forte para disputar o fraco campeonato regional. E essa lógica se espalha pelo Brasil afora em todos os estados e regiões, sem exceção.

Já que a Copa do Mundo "fez o povo despertar" para a crítica aos gastos públicos com o futebol, vamos tentar reformular este futebol, exigindo maiores rigores do poder público sobre o financiamento dos clubes e suas respectivas contra-partidas sociais. Ou, quem sabe, que este mesmo seja financiado apenas por empresas privadas.

Copa do Mundo, manifestações e futebol brasileiro: Qual a moral de tudo isso?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Termo "Grilagem de Terras)

Reforma Agrária não é tirar de um e dá para o outro e sim devolver ao camponês o que lhe foi roubado pelos grileiros do agronegócio brasileiro.


O termo "Grilagem de terra" foi criado porque os fazendeiros ricos e ladrões de terras colocavam os títulos falsos em gavetas com grilos famintos para que os mesmos ficassem roídos com aspectos de documentos antigos. De 2004 a 2007 o INCRA contatou 62 mil títulos falsificados. Antes de sair por aí defendendo ruralistas pense nisso.



Alguns Tópicos de Geografia Agrária na Amazônia

Segundo a National Geographic Brasil (2007), nas últimas décadas a devastação da Amazônia passou de seus 20% e isso já é infinitamente superior ao que foi desmatado em 450 anos de formação do Brasil. Se este índice continuar nessa perspectiva, em 2020 40% da Amazônia será destruída e a uma de suas consequências é a diminuição significativa do período chuvoso na região amazônica com a morte de algumas árvores remanescentes típicas de áreas úmidas. Mas, essas consequências podem atingir outras regiões do Brasil e não apenas na Amazônia mas também no Cerrado e parte do Sudeste. 

Este avanço da devastação Amazônica faz parte de um projeto de Estado que beira um século de implantação e se fortaleceu nos meados do século XX com a devastação dos Cerrados e transformação dos mesmos em fronteira agrícola. Esse processo é carregado de uma violência profunda contra os povos do campo - indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses trabalhadores e trabalhadoras rurais e pequenos produtores - por arrancar destes a única coisa que eles têm para sua existência, a terra. Mais que um meio de vida, a terra é o próprio modo de vida dessas pessoas, é o território que lhes dão identidade ou território que nasce de suas identidades. É o espaço como essência, como disse Milton Santos: "uma ontologia espacial" que se forma. 

Para o professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes (Geografia UNESP), este avanço avassalador do agronegócio sobre áreas de Cerrado e Amazônia que expulsa os povos do campo e massacra os povos tradicionais, sem levar em consideração suas vidas, faz parte do processo de formação de um cenário que ele denomina de Paradigma do Capitalismo Agrário (PCA) que se configura com o esvaziamento populacional do campo, de um campo sem sua diversidade cultural, étnica, racial e social. Um campo "sem vida humana". Campo da soja, do eucalipto, da cana, do boi e das represas de hidrelétricas. 

Por outro lado a luta camponesa pela permanência no campo e pelo acesso à terra e condições de produzir nela, bem como as lutas pela valorização das culturas ribeirinhas, quilombolas e indígenas constituem um cenário contra-hegemônico denominado por Fernandes como Paradigma das Questões Agrárias (PQA). A análise do campo a partir desses dois paradigmas nos dão a possibilidade de compreender o campo de hoje numa perspectiva territorial que garanta a inclusão de elementos dessa pluralidade e diversidade que é o campo. Portanto, um campo além da soja e do boi.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

E por falar em flores...



E o que dizer neste dia dos Professores e das Professoras? Dizer das flores ou dos espinhos? Ou dos brotos que surgem nas adversidades em meio a flores e espinhos? Não vou, pelo menos hoje, me ater às mazelas da educação e o descaso dos governantes. Muito menos partir para um conformismo alienante. Mas quero falar do AMOR. Não daquele amor maligno que surgem das falácias midiáticas e que nos lançam na vida "missionária" e "voluntariosa" nos tirando o direito de sermos trabalhadoras e trabalhadores. Quero falar do AMOR que sem ele não haveria EDUCAÇÃO E EDUCADORES. Do amor ao próximo, à solidariedade, à justiça, à humanidade, assim como à natureza. Amor à vida. Feliz dia das Professoras e dos Professores.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

GOIÂNIA: O CENTRO, O "HOMEM DA COBRA" E AS NOVAS CENTRALIDADES

Ao caminhar pelo centro de Goiânia, numa manhã de sexta feira, observava atentamente o movimento e a paisagem deste lugar carregado de histórias, vida, cultura e tradição. Mas o que há de tradicional no centro de Goiânia? As sacadas Art'Decó? Os jardins reformulados da Av. Goiás? O Coreto, o Relógio ou a estátua do Bandeirante Anhanguera? Seria a Estação Ferroviária? Fisicamente sim, mas na verdade queria encontrar a tradição vivida, os costumes e os habitos daqueles que frenqüentam o centro de Goiânia.

Primeiramente, me lembrava das dimensões do centro em minha vida de criança e as comparava às dimensões de minha vida adulta. Será que o Centro diminuiu? Como ele era grande quando eu era criança!! Toda a cidade de Goiânia pra mim era o Centro. A multiplicidade de olhares, cores e gestos daqueles que ali perambulavam. Madames requintadas, homens de terno, mulheres de blusas de lã no inverno goianiense que - acreditem!!! - fazia muito frio. Acordava às cinco horas (5h) da manhã para acompanhar minha mãe ao trabalho dela que ficava "lá em Goiânia", forma como ela se referia ao Centro da nossa capital.

Radinho ligado enquanto nos preparávamos para a aventura de ir ao Centro de Goiânia. Na trilha musical sertaneja de Trio Parada Dura a periferia de Goiânia acordava para mais um dia de trabalho, a música "Bruza Vermelha" era a predileta de minha mãe. Nessa época ainda não tinha o "curral" - terminal de ônibus urbano - próximo ao Capuava. O "curral" mais próximo ficava no Setor Rodoviário próximo ao DERGO - Departamento de Estradas e Rodagem de Goiás e por isso se chamava "Curral do Dergo", mas hoje são conhecidos como "terminais" então hoje é o Terminal do DERGO, mesmo o Dergo não existindo mais.

Tinhamos que pegar um ônibus que vinha do Recreio dos Bandeirantes e descer no "Curral do Dergo" para depois entrar no "Transurb" - como era conhecido o Metrobus de hoje que faz a linha do Eixo Anhanguera. Como a viagem era longa. Como custava chegar no Centro de Goiânia. Era mágico ver a Praça do Bandeirante cheia de pessoas vindas de todos os lados, de outros ônibus e outros "currais". Todos se encontravam ali, no encontro da Av. Anhanguera, que faz  a via leste-oeste, com a Av. Goiás, que faz a via norte-sul da cidade.

Minha mãe, uma humilde e simples migrante do sertão goiano, trabalhava nos serviços gerais do Edifício Trianon, situado na Rua 4, próximo à Av. Tocantins e ao Teatro Goiânia. Me lembrava bem do tradicional Café Central próximo à Praça do Bandeirante e que era frequentado por um monte de senhores vestidos de branco e chapéu de palha. Depois, quando adolescente, descobri que esses senhores "simpáticos" não passavam de Coronéis poderosos que combinavam ali mesmo, o preço da vida ou da morte daqueles que eram contra eles em suas áreas de influência de suas cidades interioranas e suas fazendas. Ali a morte de muitos trabalhadores e trabalhadoras foi negociada com jagunços.

Logo em frente tinha a "imensa loja" Magazine Central, como me impressionavam aquelas roupas e calçados expostos em suas vitrines. A Rua 4 era uma verdadeira "feira-livre" onde lojistas e ambulantes disputavam no grito a preferência daqueles que ali faziam suas compras ou passeavam pela rua. Mas como os arranha-céus eram grandes e a Rua 4 não tinha "fim" e eu pensava: Será onde essa rua vai terminar? Será que lá é o fim da cidade? Me divertia com a gritaria dos "turcos" - forma como as pessoas da cidade tratavam os árabes comerciantes da Rua 4. Peça um  desconto e nem resposta você ouvia, mas quando ouvia era quase sempre negativa. E o que dizer dos ambulantes nas ruas da cidade? Suas mágicas, suas brincadeiras, seus produtos diversificados. Eram raizeiros, curandeiros, palhaços, cantores, sanfoneiros, malabaristas e o famoso "Home da Cobra". Como ele chamava a atenção das multidões! Com suas caixas de madeira com cobras e vidros de raízes. Com seu microfone e sua caixa de som ficava ali falando o dia inteiro. Até hoje quando uma pessoa fala muito se diz: "esse conversa mais que o homem da cobra!".

Bom, mas todos que iam ao Centro faziam quase tudo que tinha de fazer, compras, trabalho, estudos e os serviços públicos essenciais da Prefeitura ou do Governo Estadual, além é claro dos serviços bancários concentrados ali. Hoje, apenas os serviços bancários estão como antes. Muita coisa mudou. As escolas estão vazias, colégios tradicionais esvaziados como o Liceu de Goiânia, que quase foi extinto e o Rui Barbosa que se fechou de vez. As tradicionais escolas deram lugar para cursinhos preparatórios para o vestibular e concursos públicos e cursos profissionalizantes. As grandes lojas de roupas e departamentos, assim como os grandes supermercados que também migraram do Centro, deram lugar para lojas médias e pequenas e para o comércio coletivo como o Mercado Aberto e o Camelódromo com seus produtos importados e de confecções locais.

Os Cinemas deram lugar para Igrejas Evangélicas, Centros Comerciais ou Cines Pornôs. O Centro de Goiânia sentiu com a perda de parte de sua população que migrou para condomínios de luxo construídos nas periferias e com o fenômeno metropolitano do surgimento de novas centralidades. Novos lugares dinâmicos em que a população mais distante não precisa mais pegar o ônibus no "curral" para ir a "Goiânia" fazer suas compras ou consultar no médico e ainda estudar. O crescimento dos Shoppings Centers também vem tirando público do Centro da Cidade e padronizando os lugares e as pessoas que frenquentam esse ambiente "global" ou espaço "globalizado".

Mas o Centro é dinâmico em todas as suas dimensões sociais, sejam elas culturais, ambientais, econômicas e estruturais, etc. Ele se adapta à sua nova realidade descentralizada. Ele ganha um novo sotaque, deixando pausadamente o uai e passando para a prática maior do oxente, ôxe, e um xiado nortista e nordestino que vai soando pelos ares centrais em gritos que perambulam pelas calçadas. É grande o número de pedintes, assim como era também ha tempos atrás, mas são várias as paredes pichadas por gangues urbanas que temporalizam a cidade na sociedade contemporânea. O fluxo entre a Praça Cívica e o Terminal Rodoviário é grande e constante. Não se vê mais as madames e nem os homens de terno como se via antes. As vitrines estão dando espaços para cabides "penduarados" em bancas populares.

O Centro se proletarizou e se tornou o espaço do trabalhador e da trabalhadora não apenas para o exercício de suas profissões mas também para o exercício de suas cidadanias. A elite saudosista tenta manipular por meio dos órgãos de imprensa que o "Centro se Marginalizou", está morto e necessita de "revitalização". Morto pra quem? Marginal por quê? Por que agora a mamãe não vai mais lá para o trabalho árduo dos serviços gerais de um arranha-céu e sim para fazer compras? Ainda se vê os velhos e tradicionais barzinhos das esquinas das paralelas 68, 70, 72 e 74 pulsando vida e alegria. O tradicional Biscoito Pereira ainda faz seu pão de queijo quentinho que alimenta ricos e pobres que frenquentam este estabelecimento.

A Praça do Bandeirante já não existe mais e com ela se foi o "Home da Cobra", com sua multidão. Mas eis que olho para o calçadão em frente à "falecida" Praça e vejo uma aglomeração de pessoas em volta de um homem falante com um monte de sacolas. Me aproximo e vejo duas caixas de madeira com furos redondos como se fossem para algo respirar ali dentro. Uma típica caixa de transportar animais. Logo ouvi um transeunte dizer: é o homem da cobra. Percebi, que haviam umas moças curiosas, assim como eu naquele momento, para saber que troço era aquele que ele escondia ali dentro, ele dizia que eram cobras. O homem não era o velho "Home da Cobra", até por que o tempo teria sido muito amigo dele, pois era muito jovem. Mas com as mesmas graças, brincadeiras e piadas para chamar a atenção das pessoas que ali se aglomeravam.

Naquele instante, o velho Centro me meio à mente. Me pareciam as mesmas pessoas que na correria da metrópole tiram um tempo salvador para sorrir um pouco, para exercitar a curiosidade e a distração diante da correria que sufoca e aliena a vida dos trabalhadores e trabalhadoras de Goiânia. Ali se esquecia das contas a pagar nos bancos que estavam nos arredores, se esquecia as pressões por entregas de encomendas com horas marcadas, se esquecia também que o Centro não é mais o mesmo de antes. Mas que sua alma e sua vida ainda está no fato de ainda ser frequentado por esses que conseguem com muito suor dinamizar o tão "mórbido" Centro de Goiânia.