quarta-feira, 17 de agosto de 2011

GOIÂNIA: O CENTRO, O "HOMEM DA COBRA" E AS NOVAS CENTRALIDADES

Ao caminhar pelo centro de Goiânia, numa manhã de sexta feira, observava atentamente o movimento e a paisagem deste lugar carregado de histórias, vida, cultura e tradição. Mas o que há de tradicional no centro de Goiânia? As sacadas Art'Decó? Os jardins reformulados da Av. Goiás? O Coreto, o Relógio ou a estátua do Bandeirante Anhanguera? Seria a Estação Ferroviária? Fisicamente sim, mas na verdade queria encontrar a tradição vivida, os costumes e os habitos daqueles que frenqüentam o centro de Goiânia.

Primeiramente, me lembrava das dimensões do centro em minha vida de criança e as comparava às dimensões de minha vida adulta. Será que o Centro diminuiu? Como ele era grande quando eu era criança!! Toda a cidade de Goiânia pra mim era o Centro. A multiplicidade de olhares, cores e gestos daqueles que ali perambulavam. Madames requintadas, homens de terno, mulheres de blusas de lã no inverno goianiense que - acreditem!!! - fazia muito frio. Acordava às cinco horas (5h) da manhã para acompanhar minha mãe ao trabalho dela que ficava "lá em Goiânia", forma como ela se referia ao Centro da nossa capital.

Radinho ligado enquanto nos preparávamos para a aventura de ir ao Centro de Goiânia. Na trilha musical sertaneja de Trio Parada Dura a periferia de Goiânia acordava para mais um dia de trabalho, a música "Bruza Vermelha" era a predileta de minha mãe. Nessa época ainda não tinha o "curral" - terminal de ônibus urbano - próximo ao Capuava. O "curral" mais próximo ficava no Setor Rodoviário próximo ao DERGO - Departamento de Estradas e Rodagem de Goiás e por isso se chamava "Curral do Dergo", mas hoje são conhecidos como "terminais" então hoje é o Terminal do DERGO, mesmo o Dergo não existindo mais.

Tinhamos que pegar um ônibus que vinha do Recreio dos Bandeirantes e descer no "Curral do Dergo" para depois entrar no "Transurb" - como era conhecido o Metrobus de hoje que faz a linha do Eixo Anhanguera. Como a viagem era longa. Como custava chegar no Centro de Goiânia. Era mágico ver a Praça do Bandeirante cheia de pessoas vindas de todos os lados, de outros ônibus e outros "currais". Todos se encontravam ali, no encontro da Av. Anhanguera, que faz  a via leste-oeste, com a Av. Goiás, que faz a via norte-sul da cidade.

Minha mãe, uma humilde e simples migrante do sertão goiano, trabalhava nos serviços gerais do Edifício Trianon, situado na Rua 4, próximo à Av. Tocantins e ao Teatro Goiânia. Me lembrava bem do tradicional Café Central próximo à Praça do Bandeirante e que era frequentado por um monte de senhores vestidos de branco e chapéu de palha. Depois, quando adolescente, descobri que esses senhores "simpáticos" não passavam de Coronéis poderosos que combinavam ali mesmo, o preço da vida ou da morte daqueles que eram contra eles em suas áreas de influência de suas cidades interioranas e suas fazendas. Ali a morte de muitos trabalhadores e trabalhadoras foi negociada com jagunços.

Logo em frente tinha a "imensa loja" Magazine Central, como me impressionavam aquelas roupas e calçados expostos em suas vitrines. A Rua 4 era uma verdadeira "feira-livre" onde lojistas e ambulantes disputavam no grito a preferência daqueles que ali faziam suas compras ou passeavam pela rua. Mas como os arranha-céus eram grandes e a Rua 4 não tinha "fim" e eu pensava: Será onde essa rua vai terminar? Será que lá é o fim da cidade? Me divertia com a gritaria dos "turcos" - forma como as pessoas da cidade tratavam os árabes comerciantes da Rua 4. Peça um  desconto e nem resposta você ouvia, mas quando ouvia era quase sempre negativa. E o que dizer dos ambulantes nas ruas da cidade? Suas mágicas, suas brincadeiras, seus produtos diversificados. Eram raizeiros, curandeiros, palhaços, cantores, sanfoneiros, malabaristas e o famoso "Home da Cobra". Como ele chamava a atenção das multidões! Com suas caixas de madeira com cobras e vidros de raízes. Com seu microfone e sua caixa de som ficava ali falando o dia inteiro. Até hoje quando uma pessoa fala muito se diz: "esse conversa mais que o homem da cobra!".

Bom, mas todos que iam ao Centro faziam quase tudo que tinha de fazer, compras, trabalho, estudos e os serviços públicos essenciais da Prefeitura ou do Governo Estadual, além é claro dos serviços bancários concentrados ali. Hoje, apenas os serviços bancários estão como antes. Muita coisa mudou. As escolas estão vazias, colégios tradicionais esvaziados como o Liceu de Goiânia, que quase foi extinto e o Rui Barbosa que se fechou de vez. As tradicionais escolas deram lugar para cursinhos preparatórios para o vestibular e concursos públicos e cursos profissionalizantes. As grandes lojas de roupas e departamentos, assim como os grandes supermercados que também migraram do Centro, deram lugar para lojas médias e pequenas e para o comércio coletivo como o Mercado Aberto e o Camelódromo com seus produtos importados e de confecções locais.

Os Cinemas deram lugar para Igrejas Evangélicas, Centros Comerciais ou Cines Pornôs. O Centro de Goiânia sentiu com a perda de parte de sua população que migrou para condomínios de luxo construídos nas periferias e com o fenômeno metropolitano do surgimento de novas centralidades. Novos lugares dinâmicos em que a população mais distante não precisa mais pegar o ônibus no "curral" para ir a "Goiânia" fazer suas compras ou consultar no médico e ainda estudar. O crescimento dos Shoppings Centers também vem tirando público do Centro da Cidade e padronizando os lugares e as pessoas que frenquentam esse ambiente "global" ou espaço "globalizado".

Mas o Centro é dinâmico em todas as suas dimensões sociais, sejam elas culturais, ambientais, econômicas e estruturais, etc. Ele se adapta à sua nova realidade descentralizada. Ele ganha um novo sotaque, deixando pausadamente o uai e passando para a prática maior do oxente, ôxe, e um xiado nortista e nordestino que vai soando pelos ares centrais em gritos que perambulam pelas calçadas. É grande o número de pedintes, assim como era também ha tempos atrás, mas são várias as paredes pichadas por gangues urbanas que temporalizam a cidade na sociedade contemporânea. O fluxo entre a Praça Cívica e o Terminal Rodoviário é grande e constante. Não se vê mais as madames e nem os homens de terno como se via antes. As vitrines estão dando espaços para cabides "penduarados" em bancas populares.

O Centro se proletarizou e se tornou o espaço do trabalhador e da trabalhadora não apenas para o exercício de suas profissões mas também para o exercício de suas cidadanias. A elite saudosista tenta manipular por meio dos órgãos de imprensa que o "Centro se Marginalizou", está morto e necessita de "revitalização". Morto pra quem? Marginal por quê? Por que agora a mamãe não vai mais lá para o trabalho árduo dos serviços gerais de um arranha-céu e sim para fazer compras? Ainda se vê os velhos e tradicionais barzinhos das esquinas das paralelas 68, 70, 72 e 74 pulsando vida e alegria. O tradicional Biscoito Pereira ainda faz seu pão de queijo quentinho que alimenta ricos e pobres que frenquentam este estabelecimento.

A Praça do Bandeirante já não existe mais e com ela se foi o "Home da Cobra", com sua multidão. Mas eis que olho para o calçadão em frente à "falecida" Praça e vejo uma aglomeração de pessoas em volta de um homem falante com um monte de sacolas. Me aproximo e vejo duas caixas de madeira com furos redondos como se fossem para algo respirar ali dentro. Uma típica caixa de transportar animais. Logo ouvi um transeunte dizer: é o homem da cobra. Percebi, que haviam umas moças curiosas, assim como eu naquele momento, para saber que troço era aquele que ele escondia ali dentro, ele dizia que eram cobras. O homem não era o velho "Home da Cobra", até por que o tempo teria sido muito amigo dele, pois era muito jovem. Mas com as mesmas graças, brincadeiras e piadas para chamar a atenção das pessoas que ali se aglomeravam.

Naquele instante, o velho Centro me meio à mente. Me pareciam as mesmas pessoas que na correria da metrópole tiram um tempo salvador para sorrir um pouco, para exercitar a curiosidade e a distração diante da correria que sufoca e aliena a vida dos trabalhadores e trabalhadoras de Goiânia. Ali se esquecia das contas a pagar nos bancos que estavam nos arredores, se esquecia as pressões por entregas de encomendas com horas marcadas, se esquecia também que o Centro não é mais o mesmo de antes. Mas que sua alma e sua vida ainda está no fato de ainda ser frequentado por esses que conseguem com muito suor dinamizar o tão "mórbido" Centro de Goiânia.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Futebol, Torcidas e Violência Urbana

Ultimamente, a mídia local vem, cada vez mais, destinando considerável parte de sua programação para abordar o problema da violência entre torcidas organizadas. Goiânia vem se tornando palco de lutas, quebra-quebra geral, arrastões, pichações e mortes causadas pela violência entre grangues de torcidas organizadas. Os efeitos de tudo isso podem ser observados na ausência, cada vez maior, de torcedores no Serra Dourada, palco "sagrado" do futebol goiano.

Se considerarmos a evolução demográfica de Goiânia e sua região metropolitana torna-se inaceitável a queda de público em nosso maior estádio de futebol. Chegaram a dizer que Goiânia não suportaria três equipes de grande porte em seu território. O futebol goiano já levou multidões aos estádios em época de pequena população. Goiânia E. C., Vila e Atlético levavam milhares de torcedores ao Olímpico e ao Serra Dourada em um passado não muito distante. Depois veio o crescimento do Goiás e com ele uma nova gama de torcedores jovens que viram o clube conquistar vários títulos, disputar a principal competição do país e ainda alcançar o recorde de títulos seguidos de penta-campeão que pertencia apenas ao galo goianiense. Quatro torcidas faziam a festa do futebol goiano até o início da década de 1980, quando Atlético e Goiânia E. C. começaram uma incrível decadência administrativa que derrubou o futebol dos dois clubes para o fundo do poço.

Então, por que um decréscimo tão significativo no número de torcedores que frenquentam os estádios hoje e por que tamanha violência? É bom ressaltar também o papel da imprensa local bipolarizando Goiás e Vila como as únicas forças do futebol regional capaz de ser considerados como a "alma do futebol goiano". Mero engano, o trabalho realizado serviu apenas para agravar o problema da violência urbana que se apresentava em Goiânia como nas demais capitais do Brasil que se metropolizava. O fenômeno da violência urbana é mundial e se manifesta em guetos e gangues urbanas que se materializam com os problemas sociais gerados pelo sistema capitalista de desigualdades sociais que colocam as pessoas cada vez mais distantes de seus sonhos e desejos em contrapartida à realização de sonhos de uma pequena parcela da sociedade que domina o sistema financeiro e produtivo.

A vida urbana não absorve o mundo solidário do campo, em que mutirões e festas coletivas eram realizadas com a participação de todos, do cafezinho na casa do cumpadre e da comadre e de um jeito simples e companheiro de lidar com seus vizinhos. A vida na cidade é a vida de cada um pra si. Do se vira sozinho e da desconfiança. Mais que isso, a disputa individualista é importante para o sistema capitalista pois o mercado de trabalho exige que a classe trabalhadora se mate para conseguir o mercado e nessa disputa não vale a solidariedade.

Para piorar a situação, milhões de jovens são lançados ao submundo social das drogas e do crime por conta de suas situações socioculturais agravadas pela falta de uma estrutura familiar presente em sua formação cidadã e de condições necessárias para frequentar uma sala de aula, dividindo os estudos com o trabalho precoce. Esses jovens gastam todas a suas energias, produzidas pela fase hormonal da adolescência e da juventude, na violência urbana, sendo o espaço urbano um lugar "ideal" para realização de seus desejos, seus anseios e suas adrenalinas. Dessa forma, descarregar todo o mal sofrido na vida em algo banal e corriqueiro como a rivalidade entre clubes de futebol parece ser uma "saída" para se perder de vez no mundo imaginário da "honra" humana e machista de seus membros.

O futebol passa a representar o pênis e o gogó dos integrantes das gangues futebolísticas, toda a sua masculidade e seu vigor humano passa para o futebol. Mas que sai dos gramados para as arquibancadas e ruas sem as bolas, mas com as balas de armas de fogo, facas e paus que expressam a glória imbecil da conquista do nada, vista por nós, seres "comuns" da vida real, mas vista por eles como tudo em suas vidas, por que, o que restou a eles como espírito de lutas e conquistas está na derrota sanguinária do adversário, da dor e do sofrimento proporcionado em batalhas que levam ao mutilamento e à morte daqueles que perdem.

Diante de tudo isso, convivemos com a hipocrisia da imprensa e das autoridades que vivem a fazer de conta que esses problemas são desconexos da vida real. Que são fatos isolados e que batendo em um grupo aqui, outro ali, vai resolver o problema, ou então, agem como se não tivesse nada pra fazer já que a "violência é um problema social" e o futebol não tem nada com isso.

É preciso encarar a violência entre as torcidas como uma política pública de estado, ou seja, como algo preocupante para o prejuízo da qualidade de vida daqueles que moram na Região Metropolitana de Goiânia. A imprensa precisa entender que isso não se resolve com análises apaixonadas e passionais de seus integrantes que mal conseguem enxergar que Goiânia, hoje, já conta com três grupos de torcidas, que o Atlético já não é o "queridinho de todos" como alguns insistem em dizer. Já existe indícios de fortes rivalidades do clube campineiro com os dois maiores rivais e que já houve incidentes entre seus torcedores em jogos clássicos.

É preciso investir em pesquisas para não lidar com o "invisível", pois é assim que as autoridades estão lidando sem conhecer profundamente o mundo das torcidas organizadas e do futebol goiano atual. Quem são esses torcedores por clube representados? Como agem? O que consomem? Qual o perfil econômico e cultural deles? Onde se concentram? E como participam de suas torcidas organizadas? Somente assim poderemos fazer um mapa mais preciso da violência no futebol goiano e, com isso, tentar minimizar seus impactos negativos sobre a qualidade de vida dos moradores da Região Metropolitana e voltar fazer com que o futebol seja um instrumento de lazer e cultura para nós goiano e goianiense.

Chega de atitudes que não levam a nada. Impedir camisetas de torcidas organizadas só fez com que os torcedores comuns fossem inseridos nas confusões e passaram a apanhar de graça, deixando de ir aos estádios. Impedir instrumentos musicais só fez o estádio ficar mais monótono do que uma quadra de tenis. Impedir bandeiras, simplesmente tirou uma das almas e dos símbolos do estádio de futebol. Deixando-o feio e sem cor. Tudo isso já foi tentado, mas foi proposto por pessoas que não vivem o futebol, estão sempre em seus escritórios com ar condicionado sem conhecer a realidade. Vamos ser mais responsáveis, todos nós, e tentarmos organizar algo a partir da realidade e do conhecimento. Investir um pouco mais vai ser menos prejudicial social e economicamente no futuro próximo.

Abraços a todos e todas