domingo, 27 de março de 2011

A Industrialização Brasileira


Este texto básico é produto dos debates realizados nas aulas de Geografia para o 4º Semestre da Terceira Etapa da Educação Para Jovens e Adultos (EJA), do Colégio Estadual Dr. Pedro Ludovico Teixeira, Trindade, Goiás. Foram elaboradas algumas atividades com base neste conteúdo aqui apresentado e trabalhado em sala de aula. Trata de uma breve abordagem sobre alguns aspectos marcantes do processo de industrialização do Brasil e a consolidação da hegemonia da economia industrial no território brasileiro.

O processo de industrialização do Brasil teve início na virada do século XIX para o século XX, portanto, foi uma industrialização tardia ou periférica por se tratar de um processo de extensão da industrialização clássica ocorrida na Europa no período da Revolução Industrial, século XVIII. A Revolução Industrial consolidou, de uma vez por todas, o modelo de acumulação capitalista como hegemônico na sociedade mundial e ampliou as desigualdades sociais com a concentração de renda nas mãos da elite econômica da sociedade industrial, ou seja, aqueles que controlam os meios de produção: donos das indústrias.

Para ocorrer a industrialização do Brasil, foi necessário, em primeiro plano, a extinção do trabalho escravo no país. Afinal de contas, os sistemas escravocratas não permitem a ampla distribuição da produção por contar com uma imensa massa de trabalhadores sem salários e, portanto, sem poder de compras dos produtos fabricados em grande escala. Além do mais, o principal produto brasileiro do final do século XIX era o café e na  virada do século sofreu consecutivas crises econômicas. Não sendo mais atrativo para os “Barões do Café” do sudeste brasileiro, principalmente do Estado de São Paulo.

Chegou-se a uma condição em que os escravos valiam mais que o produto principal (o café) e tinham um alto custo de manutenção, pois eram pagos a vista, antes mesmo de começarem a trabalhar e necessitava de um bom sistema de segurança para evitar revoltas e fugas de escravos. Mas o principal motivo da eliminação do trabalho escravo era a necessidade de se formar uma massa de trabalhadores assalariados para poder não apenas fabricar os produtos, mas consumi-los. Além disso, crescia o mercado consumidor de produtos importados da Europa nos grandes centros urbanos do país, o que era algo favorável ao investimento na industrialização. Outro fator importante da relação capital x trabalho no processo de industrialização do Brasil é o fato de a massa de trabalhadores escravos não permitia a modernização da mão-de-obra necessária para se efetivar uma sociedade industrial nos moldes da divisão internacional do trabalho.

Eles deveriam ter acesso à educação e isso era impossível num sistema escravocrata como do Brasil. Historicamente a população negra não teve acesso à educação para não poder se organizar melhor na luta contra a escravidão. Chegando ao ponto de os portugueses expulsarem da “Colônia Brasil”, de volta para a África, as etnias mulçumanas que sabiam ler e escrever, por possuírem alto grau de organização social entre eles e influenciarem as demais etnias. Mas a elite do café no Brasil estava disposta a mudar a situação para favorecer seus negócios e eles passam a forçar a corte brasileira à extinguir a escravidão no país.

O segundo passo a ser tomado por eles era de reorganizar a adensamento demográfico do país, pois São Paulo era, de longe, um estado populoso, fator primordial para a economia industrial. Deveria ter mais pessoas para trabalhar e consumir os produtos industrializados. Começa então um processo de incentivo à migração rumo ao “progresso” e ao “verdadeiro” desenvolvimento social e econômico da sociedade brasileira. O alvo era o povo do Nordeste Brasileiro, região de maior adensamento populacional e, portanto, de uma imensa massa de trabalhadores e trabalhadoras.

Por se tratar de uma região carregada de alto índice de pobreza e miséria, não foi difícil o convencimento para que os migrantes pegassem a estrada rumo a São Paulo. Tomada por “coronéis” rurais que concentram as terras em imensos latifúndios, os trabalhadores e trabalhadoras rurais do nordeste brasileiros eram empurrados e excluídos das terras férteis existentes na região e lançados rumo ao sertão da caatinga, seco e “improdutivo” proporcionando a vida miserável do povo sertanejo nordestino. A seca do nordeste deixa de ser um fenômeno apenas natural para se tornar social, sobretudo, ideológico e político nas mãos da elite política do Brasil que, ao incentivar a saída dos trabalhadores e trabalhadoras do nordeste, retirava dos coronéis a possibilidade de revoltas e lutas pela terra e lançava essa massa rumo ao trabalho urbano e industrial. O Mapa 1 apresenta o “Fluxo Migratório” do início do século XX no Brasil e a alta densidade existente no fluxo para São Paulo.


Fonte: http://noticias.terra.com.br/educacao/interna/0,,OI3861158-EI14112,00-Ciencias+Humanas.html

A migração de trabalhadores do sertão nordestino para o trabalho nas indústrias ainda atendia a intenção da elite rural e racista do sul e sudeste em não absorver a mão de obra negra para o trabalho nas industrias e nas cidades. É bom ressaltar que neste período de “libertação” dos escravos, eles foram lançados para fora das cidades sem o direito à educação, saúde e terra para trabalhar. A Lei da Terra de 1860 não foi revogada e a mesma regia a proibição de terras para a população negra. Para intensificar mais o processo de “embranquecimento” da população brasileira, o governo brasileiro incentiva a migração internacional para o Brasil, principalmente de italianos e ingleses. Essa atitude favoreceu a qualificação técnica necessária da população para o trabalho nas fábricas e a expansão das ferrovias rumo ao centro do país.

De qualquer forma, mais tarde essa população negra é absorvida pela divisão internacional do trabalho que é a forma mais concreta da expansão capitalista em seu processo de territorialização pelo mundo. Todos devem ser inseridos no mercado de trabalho para ampliar as possibilidades de consumo e de trabalho, bem como, ampliar as condições de exploração do trabalho humano menos valorizado. Quanto mais mão-de-obra disponível, menores salários e mais exploração da carga-horária, tornando a mais valia[1] cada vez mais poderosa. Com a industrialização do Brasil inicia o processo de urbanização da sociedade que passa a viver cada vez mais nas cidades e menos nos campos. Essa concentração de pessoas nos centros urbanos favorece um crescimento espantoso do setor terciário, crescendo a ocupação no comercio e nos serviços essenciais para distribuição das mercadorias, como transporte e armazenamento.

Nesse sentido, São Paulo, foi estrategicamente se estruturando e favorecido geograficamente por estar próxima aos grandes portos do país, teve o trabalho apenas de ligar estes às ferrovias que partiam rumo ao interior do Brasil para escoamento da produção agrícola da época que abastecia o centro urbano. Com o crescimento da mão-de-obra no setor terciário, havia necessidade de haver outras localidades para realizar a produção agrícola que abastecesse São Paulo. Foi assim, que a ferrovia se tornou serviço estratégico para a ligação do Triângulo Mineiro, Oeste Paulista e Sul de Goiás e Sudeste do Mato Grosso com a economia industrial paulista. A expansão da estrada de ferro foi prioridade até a década de 1930 quando o Governo Getúlio Vargas, passou a incentivar a criação de rodovias para alavancar o comércio de combustíveis, automóveis e da indústria da borracha que crescia significativamente no país.

Com a consolidação da economia industrial em São Paulo na década de 1930, o Governo Vargas inicia o processo de expansão desta economia para o Centro-Oeste e Norte do Brasil. Era preciso que a economia capitalista se expandisse para se fazer hegemônica em todo território brasileiro. O Centro-Oeste se encontrava em estado de economia semelhante à “pré-capitalista” devido ao alto índice de produção de subsistência de sua agricultura. Poucos eram os produtos comercializados que tinham o arroz como principal mercadoria agrícola e o boi como o ponto forte da economia sertaneja do Centro-Oeste.

A relação capital X trabalho era a mais precária possível com alto poder de troca, a moeda quase não circulava e grande parte dos trabalhadores e trabalhadoras viviam em espécie de controle “cultural” dos coronéis. Para alguns estudiosos, o sistema agrário brasileiro foi semelhante ao sistema feudal europeu, onde os senhores tinham o controle do trabalho e da produção de seus servos. Os coronéis eram quase senhores feudais, tinham o controle econômico e político. Pagavam pelo trabalho de “seus peões” o que queriam e quando queriam. Muitas vezes implantavam o chamado “sistema de barracões”, uma espécie de escravidão sem correntes. Os trabalhadores e trabalhadoras eram explorados em troca de “poder morar” na propriedade e tinham que pagar pela comida e coisas que adquiriam na propriedade. Os patrões estabeleciam uma dívida impagável para que eles pudessem explorar o máximo o trabalho de seus peões e peoas.

Com a chegada da estrada de ferro no Triângulo Mineiro e depois no Sudeste Goiano, instaurou-se uma disputa pelo poder entre os antigos e os novos coronéis da política sertaneja. Os “novos” coronéis estavam inspirados no poder da economia industrial e a vida urbana do sudeste brasileiro e queriam implantar essa lógica no Centro-Oeste e Norte do país. A estrada de ferro, trazia para o interior não apenas os trilhos e o Trem-de-Ferro, mas a chamada Divisão Internacional do Trabalho, ou seja, o trabalho assalariado. Fomentava a indústria de beneficiamento do arroz e de produtos do leite e do gado. Começaram a ser implantadas as chamadas “Máquinas de Arroz”, os frigoríficos e cortumes e os laticínios. Era o início da industrialização da agricultura.

O comércio das cidades da estrada-de-ferro (Mapa 2) crescia rapidamente dando dinamismo à economia local e inserindo antigos trabalhadores rurais no mercado de trabalho urbano. Crescia também os trabalhadores e trabalhadoras assalariados(as) e com isso, circulava mais moedas, deixando de ser aquele estado econômico quase “pré-capitalista”, para o capitalista moderno.



Com o processo de modernização da agricultura se consolidando no Brasil entre as décadas de 1960 e 1980, dois grandes projetos urbanos foram fundamentais para esta consolidação: A criação de Goiânia, Capital de Goiás e a criação de Brasília, Capital Federal. A criação dessas cidades trouxe fluxo migratório para o território goiano que mudou completamente seu dinamismo demográfico, econômico e social, ampliando a massa de trabalhadores e trabalhadoras e consolidando o mercado de produtos e serviços como principal atividade econômica da atualidade por representar maioria absoluta do PIB goiano nos últimos anos. Como forma de dinamizar melhor a administração territorial da produção agrícola e pecuária, os estados de Goiás e Mato Grosso foram divididos, dando origem aos estados Tocantins (1988) e Mato Grosso do Sul (1979).
Mapa 3



A analisarmos o Mapa 3 podemos observar a distribuição das atividades industriais no Brasil e como o Estado de Goiás é o estado do Centro Oeste com maior concentração de firmas. A imagem expressa bem como foi e é o processo de avanço das atividades industriais do sudeste para o centro-norte do país. Dessa forma, Goiás foi a base para a expansão capitalista industrial no centro-norte do Brasil.

No Mapa 4 podemos observar melhor como as atividades industriais de maior porte estão concentradas nas regiões de Goiânia e Brasília quando se observa o Estado de Goiás no mapa do Brasil. Em ambos os mapas pode-se perceber que as manchas de concentração da atividade industrial são quase contínuas no sentido de São Paulo para Goiás, formando o trajeto da estrada de ferro Mogiana que partiu de São Paulo, passou pelo Triângulo Mineiro e chegou no sul de Goiás no início do século XX.  Este é o caminho seguido depois pela descentralização da indústria brasileira pelo interior do Brasil.



Mapa 4



As conseqëncias dessa transformação no Estado de Goiás pode ser percebida na distribuição da população no território goiano. As maiores concentrações populacionais estão na Região Metropolitana de Goiânia e Região do Entorno do Distrito Federal, formatando os mesmos desenhos da espacialização das atividade industriais e de dinamização da economia com o comércio e seviço.

Se analisarmos os principais municípios goianos por PIB (Produto Interno Bruto), ou seja, suas riquezas produzidas por ano, podemos perceber que, entre os 10 principais, somene quatro têm a agropecuária inserida na geração do PIB. Os principais municípios em geração de riquezas têm a indústria e o comércio como principais atividades. Tirando aquele estigma de que a economia goiana é mantida pela agropecuária. Na verdade todo o projeto nacional e internacional de expansão capitalista industrial para o sertão brasileiro que teve início no começo do século XX foi bem sucedido.

Esta lista se refere aos 10 municípios do estado de Goiás com PIB superior a R$1 bilhão de reais. Estes dados se referem ao ano de 2008.
Posição
Cidade
PIB em reais
População*
PIB per capita
Base da economia
1
19 457 328
1.301.892
15 376
Indústria, comércio e prestação de serviços
2
6 265 480
335.032
18 910
Indústria farmoquímica e comércio
3
3 873 756
455.735
7 827
Indústria, comércio e prestação de serviços
4
3 615 987
176.502
22 768
Agropecuária e indústria
5
3 348 904
86.597
42 062
Indústria, comércio, prestação de serviços e agropecuária
6
2 304 014
84.399
30 599
Indústria, comércio e prestação de serviços
7
2 047 097
92.942
22 289
Indústria e agropecuária
8
1 860 945
88.048
21 767
Agropecuária e Indústrias
9
1 805 535
174.546
8 859
Comércio e prestação de serviços
10
1 343 049
17 086
93 866
Comércio e agropecuária e Indústrias

*Dados do IBGE de 2008.
Percebe-se pelo gráfico exposto no site da Secretaria de Planejamento do Estado de Goias: WWW.seplan.go.gov.br , que a atividade industrial está presente na maioria absoluta dos municípios mais dinâmicos da economia goiana e, com isso, mostra também que a expansão capitalista industrial pelo Centro Oeste teve em Goiás o seu “Portal de Entrada”.

Espero que este simples texto possa contribuir com nossas aulas.

Boa leitura e ótimas reflexões.

Professor Ubiratan Francisco de Oliveira
Geografia



[1] Mais Valia: termo trabalhado por Marx em “O Capital” que se refere à acumulação de capital do patrão em cima da exploração do trabalhador na linha de produção. Ela consiste em ganhar o máximo possível no valor final do produto em detrimento à valorização da mão-de-obra disponibilizada para sua produção.

Direitos Iguais na Diferença: Gênero e Raça na luta sindical

Fiquei um bom tempo me preparando para escrever este pequeno texto sobre a abordagem de políticas permanentes no movimento sindical Cutista dos últimos anos. Pensei sobre qual a melhor maneira de iniciar este diálogo com os companheiros e companheiras do movimento sindical do Brasil, principalmente da Região Centro Oeste – que é minha área de atuação na Escola Sindical Apolônio de Carvalho. Pensei se começaria conceituando raça e gênero e, partindo da etimologia, iniciaria um trajeto metodológico que chegasse até suas dimensões sociopolíticas da sociedade contemporânea. Poderia também, iniciar a partir da leitura das origens das desigualdades sociais no Brasil e como mulheres e negros se encontram nesse contexto. E muitas alternativas foram passando por minha mente.

Mas, num instante, algumas lembranças de nossa trajetória educativa vieram nos orientar neste pequeno ensaio. Lembrei-me de um momento em que iniciávamos um curso de formação sindical para dirigentes de um sindicato em Goiânia, quando um dos mais antigos e respeitados diretores desse sindicato destacou em sua fala: “Aproveitem bastante esse momento de formação, pois vocês precisam disso!! Nós não!! Nós já sabemos de muita coisa por que já fizemos todos os cursos de formação sindical que pudemos participar.”

Ao final dos trabalhos após termos trabalhados todos os conteúdos propostos, inclusive, os temas sobre as políticas permanentes da CUT (Raça, Gênero, Diversidade Sexual, etc.), nos deparamos com esse mesmo dirigente “sabidão” contradizendo a linha política da CUT ao dizer que: “onde já se viu cotas pra pretos? Onde esse mundo vai parar?” ou então nos momentos de “descontração” em que foi pego contando piadas preconceituosas contra a mulher, negros, nordestinos, estrangeiros, etc. afinal, tente encontrar alguma piada que não seja de cunho preconceituoso.

Mas após as intervenções do dirigente sindical, podemos fazer algumas reflexões: primeiro que a formação deve ser contínua e permanente, afim de atualizar o conteúdo com as mudanças da nossa sociedade; segundo, que, fica a dúvida sobre seu compromisso com os cursos que andou fazendo na CUT, pois os debates acerca das questões raciais e de gênero não são de agora no movimento sindical; terceiro é que devemos levar em consideração o padrão político conservador que precisamos destruir na esquerda e nos movimentos sociais da região Centro Oeste, ou seja, precisamos lutar contra o “vírus-social” do machismo e racismo impregnados da herança coronelista que temos.

O material produzido pela Secretaria Nacional de Formação da CUT – SNF – para o curso de Organização e Representação Sindical de Base (ORSB) traz em seu primeiro fascículo a história das diferenças sociais no Brasil com um bom enfoque à questão racial e a forma violenta com que os negros no Brasil foram excluídos de todas as formas possíveis de políticas públicas para o desenvolvimento humano.

Com o fim do processo de abolição da escravidão, sem participação dos quilombolas e dos abolicionistas comprometidos com os direitos civis, termina a exploração através de trabalhos forçados e tem início a mais perversa exclusão social... [...] A formação os primeiros núcleos de favelas nas grandes cidades, como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo coincide com o processo de abolição da escravatura. Segundo alguns estudos, a “liberdade” do negro não foi acompanhada de oportunidade de acesso a terra, ao contrário, os ex-escravos foram proibidos por Lei de ter propriedades rurais. [...] Para os senhores de terra e escravos e para as elites políticas da época, se tratava de virar a página da história, como se isso fosse possível. Pelo menos é o que indica a total ausência de políticas de integração do negro na sociedade e na vida econômica do país e o seu confinamento nas periferias das cidades. Ou seja, nenhuma indenização, nem acesso à educação ou formação profissional e muito menos acesso à terra e à moradia. Portanto, mais que um processo de exclusão social pode-se falar também em exclusão étnica ou racial. (CUT, 2010, p. 14)

Precisamos, de fato, enxergar a questão étnica-racial como fato social e como tal, ser encarada como uma verdadeira e legítima luta de classe. As estratégias da direita ultraconservadora de nosso país têm nos colocado uns-contra-os-outros em nossa própria classe de trabalhadores e trabalhadoras ao afirmarem, categoricamente, que a luta pela inclusão social não pode ter as questões étnicas-raciais, de gênero ou diversidade sexual, inserida em sua pauta de “classe trabalhadora”. Precisamos ter cuidado quando nossos verdadeiros inimigos proclamam por nós a “democracia social”. É no mínimo um equívoco quando um trabalhador ou trabalhadora se posta contra as cotas raciais nas universidades em conjunto com o relatório do Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), inimigo histórico da causa trabalhadora no país e aliado da oligarquia ruralista herdada pela UDR no Centro-Oeste.

Com um discurso impregnado de meritocracia excludente, os adeptos dessa linha de raciocínio ignoram a história da luta de classes no Brasil e suas profundas relações com a violência contra negros, indígenas e, principalmente mulheres, que, ao longo de mais de três séculos estiveram à mercê violência praticada por forças brancas e machistas da oligarquia portuguesa na “Colônia Brasil”. Precisamos, acima de tudo, compreender que a luta por direitos iguais se faz na diferença, seja ela, racial, étnica ou de gênero.

No movimento sindical não podemos mais aceitar que pesquisas apontem o machismo como marca profunda das práticas sociais de nossos companheiros e companheiras. Em uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), intitulada como “Retratos da Escola”, de abril de 2003, podemos observar que 36% das trabalhadoras da educação fazem as atividades do lar sozinhas e das que figuram entre 22% que contratam alguém, tiram do seu próprio salário o ônus da contratação. Isso, nos mostra o perfil machista de nossa sociedade retratado na educação brasileira.

Quando companheiras que estão à linha de frente da escola e, portanto, com oportunidades de proporcionar mudanças sociais significativas se deparam com problemas clássicos em seu cotidiano podemos dizer que precisamos ainda caminhar muito e a passos longos para uma possível transformação dos hábitos e costumes tradicionais e conservadores.

Como falar em conquistas no mundo do trabalho sem ponderar a necessidade de equiparação de salário de nossas companheiras que recebem menos que os homens, mesmo exercendo a mesma função? A Convenção 100 da OIT, “concernente à igualdade de Remuneração de mão-de-obra masculina e mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.” A convenção 111, já nos diz respeito à luta contra discriminação por raça, cor, sexo, opinião política, nacionalidade, dentro das corporações empresariais. A verdade é que a situação de salários desiguais para a mesma função piora quando se trata da mulher negra que, em geral, recebe menos que a mulher branca que já recebe menos que os homens brancos e estes também recebem mais que os homens negros.

Durante um de nossos encontros formativos na Escola Apolônio de Carvalho, a Professora e Pesquisadora em Geografia, Lorena Francisco, nos apresenta o seguinte gráfico sobre o rendimento da população branca e negra em nosso país, por regiões brasileiras.


Observando melhor o gráfico, podemos verificar que, mesmo na região onde o rendimento é menor, ou seja, a região mais pobre do país, no caso do gráfico, o Nordeste, a população negra ainda recebe menos que a branca, repetindo a lógica de todas as regiões brasileiras. Dessa forma, podemos concluir que, mesmo se tratando de diferenças de classes, a população negra vive em situação pior que seus companheiros e companheiras de classe social.

Essa situação sócio-econômica vai influenciar no desenvolvimento educacional dos negros e das negras do Brasil como também nos apresentou a Professora Lorena Francisco no gráfico seguinte. Em média, os alunos e alunas negro e negras estudam 2,3 anos a menos que os de cor branca. Segundo pesquisa desenvolvida por ela, essa diferença é histórica e, mesmo quando a taxa de escolaridade aumenta em ambas as raças, a diferença segue presente entre elas.

Ora, como construir a luta da classe trabalhadora no Brasil sem levar em consideração esses números? Como o patronato reagirá diante das estatísticas ao proporcionar a inserção de ambas as raças no mercado de trabalho? Aliás, não seria algo programado, uma vez que é o mesmo patronato da escravatura do Brasil Colonial? Podemos refletir mais ainda sobre a inexistência de uma “democracia racial” ao compararmos os dados sobre estudantes do ensino básico e do ensino superior por cor. Se temos  maioria negra no ensino básico, essa lógica não deveria ser a mesma no ensino superior? Por que essa maioria de negros não conseguem acessar as universidades, em especial, as de caráter público? Que sistema de avaliação é esse? Ou que nível de ensino é proporcionado a essas classes sociais?

Podemos observar que a diferença já começa a mudar de rumo no próprio Pré-vestibular, que meso sendo em pouco número, já há uma inversão entre alunos(as) brancos(as) e negros(as).
Nós, quanto legítimos defensores da classe trabalhadora, ainda vamos fechar os olhos para esses números? Para essas realidades? Sei que logo alguém pode vir aqui e questionar: Mas, é preciso melhorar a qualidade do ensino básico para proporcionar a igualdade racial na educação e não implantar as cotas!!!! Ou então, essas cotas vão proporcionar a precarização do ensino superior, que terá que se adaptar às condições desses e dessas estudantes!!!, Ohhhh!! Gritam as vozes da justiça de classes!! Gritam as vozes que defendem a “democracia racial” da esquerda brasileira!!

Tudo bem que precisamos, urgentemente, iniciar um processo de melhoria da qualidade do ensino básico no Brasil, essa melhoria vem, inclusive, com a valorização dos profissionais da educação, melhoria das condições de trabalho nas escolas e das estruturas para receber essa imensa demanda. Mais que isso, é preciso que se pense em que modelo de educação vai nos basear para tal transformação. Esse modelo que ai está? Já paramos para pensar além das nossas lutas trabalhistas, o tipo de sociedade que queremos? E o que nossa categoria tem a contribuir para implantar essa sociedade ideal?

Companheiros e companheiras!! Serão necessários quase que cinqüenta anos, metade de um século, de espera para que essa nova educação seja uma realidade em nosso país. Se levarmos em consideração que temos, aproximadamente 80 anos de educação pública brasileira, veremos que é como construir um novo sistema educacional. Por outro lado, as mudanças precisam ser emergentes, já não podemos esperar tanto tempo assim, mesmo pra quem esperou séculos. Mas, uma coisa já foi constatada, o desenvolvimento humano é surpreendente e colocou em xeque o sistema de avaliação que adotamos no país ao constatar que estudantes cotistas tiveram bons e ótimos rendimentos nas universidades que adotaram o sistema de cotas. A classe trabalhadora negra de nosso país nos deu como resposta que é preciso oferecer a oportunidade que ela faz a diferença.

Em 25 de maio de 2008, é publicada a notícia sobre o desempenho de alunos cotistas no portal WWW.terra.com.br com o título: IPEA: cotistas têm melhores notas em universidades.
No universo de 54 universidades públicas que nos últimos oito anos adotaram o sistema de cotas no País, em ao menos quatro, distribuídas pelos principais Estados, alunos negros apresentam desempenho próximo, similar ou até melhor em relação aos não-cotistas. Resultados iniciais do aproveitamento de cotistas na Unicamp, Universidade Federal da Bahia (UFBa), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), derrubam mito de que, graças à ação afirmativa, alunos negros estariam "entrando pela janela" das instituições superiores da rede pública. As notas lhes abriram o caminho da porta da frente.
Isso, já é suficiente para quebrar qualquer argumento contrário às cotas no país, mas não paramos por ai. Podemos também questionar por que nunca ninguém falou nada da chamada “cota do boi” quando os coronéis tinha vagas garantidas nos cursos de Medicina, Engenharia e Direito nas melhores universidades públicas do país. Vejam só, ninguém os chamou de “burros” ou “desqualificados” para estarem lá. Por outro lado, por que, não houve todo esse fervoroso debate quando se implantaram em todo o Brasil cursos de nível superior sem processo de vestibular para professores e professoras que já estavam em sala de aula? Não se questionou o curso de Pedagogia Indígena  para essa população?

A resposta pode ser que para a área da docência não se têm disputa de classes, já é destinado à classe trabalhadora por natureza. Mas entrar no campo dos “DOUTORES” já é uma façanha, uma ousadia, que jamais poderíamos pensar em fazer.

No campo da relação de gênero, nós não podemos pensar apenas na questão salarial. É preciso pensar nas condições de trabalho e a forma diferenciada de tratar a mulher trabalhadora. Sua luta pela creche, pela licença maternidade é uma realidade que muitas vezes não entram nas pautas de negociação coletiva das categorias de trabalhadores e trabalhadoras. A luta pela legitimidade da responsabilidade paterna dentro do local de trabalho também é uma realidade a se verificar. Afinal, é preciso que patrões e companheiros assumam que a responsabilidade pelos filhos não é apenas da mulher. Que é algo a ser compartilhado entre companheiro e companheira.

É preciso entender que nossos sindicatos precisam parar de “torcer o nariz” quando se fala em cotas de gênero para compor diretoria, fazer formação sindical e que a educação de gênero é algo necessário para diminuir a violência contra a mulher, praticada por trabalhadores das mais variadas categorias do nosso mundo do trabalho. Somente assim, poderemos criar um movimento sindical melhor para também, lutar por um mundo melhor e mais IGUAL NAS DIFERENÇAS.

Professor Ubiratan Francisco de Oliveira
Mestre em Geografia pelo IESA-UFG e Assessor de Formação Sindical da Escola Centro Oeste da CUT Apolônio de Carvalho 2009 a 2012 e Professor da Rede Estadual de Ensino em Goiás

terça-feira, 1 de março de 2011

"Geografizando" Belchior: A migração e o migrante na sociedade contemporânea

Já não é novidade alguma o uso de poemas e músicas em aulas de Geografia, basta passar o olhar pelos anais dos encontros nacionais de práticas de ensindo de Geografia realizados nas utlimas décadas, nas revistas de educação e/ou de Geografia e veremos uma enormidade de experiências em sala de aula. Músicas, causos, poemas, contos, histórias em quadrinhos, etc., vêm sendo "geografizados" por professoras e professores de todos os níveis de educação. Isso, de uma certa maneira, fortaleceu a tradicional "Geografia Regional" ao enfatizar as categorias região, lugar e território que se entrelaçam nas identidades e nas diferenças existentes na arte de regiões distintas, de povos distintos e, portanto, de espaços distintos.

O encanto e o estranhamento ao diferente são inevitáveis, mas o que se procura é fazer valer o respeito e a aceitação às diferenças, fazer valer a luta por um mundo tolerante e menos xenófabo. As mudanças na sociedade contemporânea fizeram intensificar os fluxos migratórios que colocaram várias identidades na disputa pela hegemonia territorial do Brasil. Nessa disputa existem as dimensões econômicas e culturais. A luta pelo trabalho e pela sobrevivência nos grandes centros urbanos reflete na rejeição à cultura daqueles que chegaram de fora. Essa rejeição pode se fortalecer e envolver a dimensão política como aconteceu em São Paulo nas ultimas eleições presidenciais em que a internet foi palco de uma das maiores manifestações xenófobas, neonazistas e neofacistas da política brasileira. Manifestações de intolerância e ódio pelo migrante. De falta de humanismo, de amor à vida e qualquer outro sentimento que possa degradar a vida humana na nossa sociedade.

Procurando dispertar um olhar crítico dos (as) estudantes da Educação de Jovens e Adultos, da escola em que eu leciono, trabalhamos o conteúdo migração e trabalho com textos didáticos que apresentaram os conceitos de migração, trabalho, desterritorialização e reterritorialização, identidade, etc., com muita conversa e prosa descontraída, procuramos nos enxergar nesse contexto social e cultural do migrante, lembrando que temos maioria de migrantes nas turmas de EJA. Mas no final do conteúdo, fomos trabalhar a interpretação da letra da música Fotografia 3x4, de Belchior.

Metodologicamente, apresentamos a letra sem a música, para que não houvesse rejeção à proposta por conta dos gostos de gênero musical. Logo após a leitura da letra foi momento para realização de atividade que amarrasse a enredo musical ao conteúdo apresentado anteriormente. O que o autor diz? Em qual momento a música deixa claro que se trata de um processo migratório? Como o autor relata a vida de um migrante na cidade grande? Onde ele viveu e de onde ele saiu? O trabalho dispertou interesse da turma do 2º Semestre da 2ª Etapa para ouvir a música que eles tanto "dissecavam" ou "devoravam" atentamente.

A experiência está sendo ótima e realemente comprova que a arte nos aproxima da realidade e, paradoxalmente, nos tira do "país das maravilhas".

Vamos apresentar a letra e um breve comentário sobre a letra da música no final.

Fotografia 3x4 - Belchior

Eu me lembro muito bem do dia em qe eu cheguei
Jovem que desce do norte pra cidade grande
Os pés cansados e feridos de andar légua tirana
E lágrimas nos olhos de ler o Pessoa e ver o verde da cana

Em cada esquina que eu passava um guarda me parava,
Pedia os meus documentos e depois sorria,
Examinando o três-por-quatro da fotografia
E estranhando o nome do lugar de onde eu vinha

Pois o que pesa no norte, pela lei da gravidade,
Disso Newton já sabia! cai no sul grande cidade
São Paulo violento, corre o rio que me engana
Copacamana, zona norte e os cabarés da Lapa onde eu morei

Mesmo vivendo asssim, não me esqueci de amar
que o homem é pra mulher e o coração pra gente dar,
mas a mulher que eu amei não pôde me seguir Ohh Não!!
Esses casos de família e de dinheiro eu nunca entendi bem

Veloso o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas pra dizer.

A minha história é... talvez, é talvez igual a tua,
jovem que desce do norte e que no sul viveu na rua
e que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo
e que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como você
Eu sou como você que me ouve agora
Eu sou como você, eu sou como você.

Comentário geral sobre a letra de Belchior

A música, em seu início, mostra bem o momento de encantamento do migrante com o novo lugar e com a nova vida, ler o poeta Fenando Pessoa foi inspirador para ele e o encanto com a paisagem verde e "farta" das lavouras. O estranhamento, o preconceito e a recepção ao migrante mostra que a vida dele no lugar distante não será fácil, as abordagem policiais são marcas de práticas de estranhamento.

Mas o migrante também tem seus momentos de estranhamento e rejeição à cidade e contrapõe tudo isso às contradições com o lugar de origem, a violência e os lugares agitados diante da vida "sossegada" e "pacata" do interior e sua terra natal. Contudo, a vida distante de casa, o sofrimento, o encanto ao novo e a adaptação não tira do ser seus sentimentos construídos na vida "passada", ele traz seus amores e suas paixões e e convicção de vida consigo.

O espírito de luta é uma das marcas do migrante, sobrevivência e superação que se tornam aprendizado para ele e para os outros que estão ao seu redor. E, por fim, o encerramento da música é com chave de ouro, quando o autor busca a sensibilização de que o migrante é gente como os outros e sua violência é fruto da vida social e, portanto, não menos e nem mais violento que os outros do lugar.

Saudações Geográficas a Todos e Todas

Ubiratan Francisco de Oliveira
Professor de Geografia