quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Copa do Mundo, Manifestações e a Moral do Futebol

Observando nas redes sociais e nos noticiários das grandes emissoras as manifestações de milhões de pessoas contrárias à realização da Copa do Mundo no Brasil. Milhares de charges ironizam cenas protagonizadas por membros do comitê organizador da copa no Brasil e de políticos dos Estados e Governo Federal. São indignações interessantes que partem da mesma raiz: Porque investir tanto para realização da Copa do Mundo de Futebol enquanto o país ainda precisa de maiores investimentos em coisas como a saúde e a educação? 

As perguntas que me vêm à cabeça são: Será que as pessoas estão mais conscientes sobre gastos públicos dos municípios, estados e união? Será que a realização da copa do mundo fez o povo acordar para a realidade do futebol e suas relações geopolíticas? Será que isso não é apenas um oba-oba proporcionado por uma avalanche de ataques ao Governo Federal pela mídia que usa a copa para fragilizar um governo que sempre teve como tema as políticas sociais? Por que somente a copa do mundo está sendo questionada e o futebol em si não?

Vou começar minhas reflexões pela última pergunta. A Copa do Mundo é apenas a ponta do "iceberg" no que diz respeito ao uso do futebol como instrumento de alienação no Brasil. Tá bom, vamos lá. De que adianta criticar a construção de estádios para clubes particulares e públicos? Com rios de dinheiro derramados em verdadeiras máquinas de corrupção, alguns , todos sabem que serão verdadeiros elefantes brancos construídos em cidades que não tem grande apelo público no futebol local e que ficarão sem justificativa sua construção, como o caso de Brasília, Cuiabá e Manaus. Todos vêem com indignação a construção de outro estádio na Cidade de São Paulo e desta vez para favorecer um clube particular de futebol. O mesmo acontece em Curitiba e no Rio Grande do Sul. 

A desculpa é sempre a mesma: "são investimentos privados", será? No Brasil que tradicionalmente as transnacionais constroem barragens hidrelétricas, mineradoras, industrias do agronegócio, entre outras com financiamento do BNDES, será que os estádios serão diferentes? Será que vão construir sem, ao menos, um incentivo de recursos públicos, mesmo que seja por meio de negociações de dívidas com a União ou Unidades da Federação? Só sei que esse discurso não colou e a população cobra mais investimentos em hospitais, escolas, estradas, universidades, etc. E por que não, investimentos privados nessas áreas? Essa tradição ainda não pegou no Brasil, a não ser quando uma grande empresa é multada por crimes ambientais e tem como punição investir em educação, cultura ou meio ambiente.

Mas e aí? Quem cobra isso hoje nas ruas ou nas redes sociais, provavelmente tem um time de futebol do coração, compra camisas desse clube, vai aos seus jogos, contrata canal de TV fechada para acompanhá-lo em jogos fora de casa, investe em produtos com a sua marca, etc. Já parou para pensar que esse clube e sua paixão por ele é o que justifica a realização da Copa do Mundo no Brasil? Afinal o que faturam esses clubes e a CBF e seus parceiros, entre eles a Rede Globo de Televisão, é algo que fez ser implantado na cabeça do torcedor que o "Brasil é o País do Futebol". 

De que adianta protestar contra a realização da Copa do Mundo e achar comum quando os grandes clubes de futebol brasileiro devem centenas de milhões de reais para a União por dívidas trabalhistas e previdência social e ainda são beneficiados com patrocínio de empresas como Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Eletrobrás, etc.? Qual a contrapartida social desses clubes para a sociedade brasileira? Fazer você gritar gol pelo menos duas vezes por mês? Espalhar escolinhas de futebol em que mensalidades não são nada populares e ainda vendem suas marcas e produtos para milhões de crianças que sonham ser jogador de futebol e menos de 5% terão chances de tentar no próprio clube? Talvez o maior legado hoje deixado pelos clubes de futebol seja as maravilhosas torcidas organizadas com suas cenas de barbárie apresentadas em horário nobre para nossas crianças.

A realização do Campeonato Brasileiro teve forte apoio da Ditadura Militar quando viram o poder de alienação do futebol sobre o povo brasileiro. Mas o problema não o futebol em si, eu mesmo sou fanático por futebol, o problema é como ele se tornou instrumento político e de corrupção no Brasil. Os clubes são ligados a deputados federais, estaduais, vereadores, prefeitos, senadores que muitas vezes são eleitos e reeleitos ás custas de investimentos públicos em clubes de futebol. O problema não é o futebol em si mas a forma como ele revela no Brasil um conjunto de esquemas de favorecimento a pequenos grupos sem levar benefícios à sociedade de forma geral. Jogadores que ganham muito além de acima da média da população, esbanjando fortunas e promovendo "shows" particulares pelo Brasil afora, prostituição de mulheres, inclusive de menores e drogas são alguns produtos desses "shows". Mas todos acham normal. E tem dinheiro público nisso tudo, ou vamos esquecer da "Caixa" estampadas nas camisas? Das sedes de clubes que recebem dinheiro para reformas ou ampliação, das áreas públicas que deveriam servir à população mas que são "doadas" para clubes de futebol. 

Em Goiânia isso virou uma febre, os três clubes da capital são constantemente beneficiados pelos poderes públicos municipal e Estadual ao longo da história. Áreas doadas, reformas financiadas e patrocínios de empresas públicas. No interior nem precisa falar nada né, as prefeituras montam suas equipes à base dos recursos públicos e a cada 4 anos, período eleitoral, uma delas chega bem forte para disputar o fraco campeonato regional. E essa lógica se espalha pelo Brasil afora em todos os estados e regiões, sem exceção.

Já que a Copa do Mundo "fez o povo despertar" para a crítica aos gastos públicos com o futebol, vamos tentar reformular este futebol, exigindo maiores rigores do poder público sobre o financiamento dos clubes e suas respectivas contra-partidas sociais. Ou, quem sabe, que este mesmo seja financiado apenas por empresas privadas.

Copa do Mundo, manifestações e futebol brasileiro: Qual a moral de tudo isso?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Termo "Grilagem de Terras)

Reforma Agrária não é tirar de um e dá para o outro e sim devolver ao camponês o que lhe foi roubado pelos grileiros do agronegócio brasileiro.


O termo "Grilagem de terra" foi criado porque os fazendeiros ricos e ladrões de terras colocavam os títulos falsos em gavetas com grilos famintos para que os mesmos ficassem roídos com aspectos de documentos antigos. De 2004 a 2007 o INCRA contatou 62 mil títulos falsificados. Antes de sair por aí defendendo ruralistas pense nisso.



Alguns Tópicos de Geografia Agrária na Amazônia

Segundo a National Geographic Brasil (2007), nas últimas décadas a devastação da Amazônia passou de seus 20% e isso já é infinitamente superior ao que foi desmatado em 450 anos de formação do Brasil. Se este índice continuar nessa perspectiva, em 2020 40% da Amazônia será destruída e a uma de suas consequências é a diminuição significativa do período chuvoso na região amazônica com a morte de algumas árvores remanescentes típicas de áreas úmidas. Mas, essas consequências podem atingir outras regiões do Brasil e não apenas na Amazônia mas também no Cerrado e parte do Sudeste. 

Este avanço da devastação Amazônica faz parte de um projeto de Estado que beira um século de implantação e se fortaleceu nos meados do século XX com a devastação dos Cerrados e transformação dos mesmos em fronteira agrícola. Esse processo é carregado de uma violência profunda contra os povos do campo - indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses trabalhadores e trabalhadoras rurais e pequenos produtores - por arrancar destes a única coisa que eles têm para sua existência, a terra. Mais que um meio de vida, a terra é o próprio modo de vida dessas pessoas, é o território que lhes dão identidade ou território que nasce de suas identidades. É o espaço como essência, como disse Milton Santos: "uma ontologia espacial" que se forma. 

Para o professor Dr. Bernardo Mançano Fernandes (Geografia UNESP), este avanço avassalador do agronegócio sobre áreas de Cerrado e Amazônia que expulsa os povos do campo e massacra os povos tradicionais, sem levar em consideração suas vidas, faz parte do processo de formação de um cenário que ele denomina de Paradigma do Capitalismo Agrário (PCA) que se configura com o esvaziamento populacional do campo, de um campo sem sua diversidade cultural, étnica, racial e social. Um campo "sem vida humana". Campo da soja, do eucalipto, da cana, do boi e das represas de hidrelétricas. 

Por outro lado a luta camponesa pela permanência no campo e pelo acesso à terra e condições de produzir nela, bem como as lutas pela valorização das culturas ribeirinhas, quilombolas e indígenas constituem um cenário contra-hegemônico denominado por Fernandes como Paradigma das Questões Agrárias (PQA). A análise do campo a partir desses dois paradigmas nos dão a possibilidade de compreender o campo de hoje numa perspectiva territorial que garanta a inclusão de elementos dessa pluralidade e diversidade que é o campo. Portanto, um campo além da soja e do boi.