domingo, 22 de junho de 2014

Festas Juninas, Quadrilhas e Identidade Camponesa.

Festas Juninas e Quadrilhas! Como gosto das festas juninas e das quadrilhas. A festa dos santos católicos e da comemoração à colheita do período de safra. Comidas típicas regionais, muita música, fogueiras, fogos de artifício e as famosas danças de quadrilhas. Quadrilhas que se modificam de região para região, mas têm sempre uma estrutura coreográfica característica. Dança em pares, formam círculos e fileiras variadas. 

A dança que se popularizou no Brasil vem de origem das Cortes Inglesas e Francesas e chega ao Brasil sob a influência francesa no início do século XIX, o nome quadrilha deriva de "quadrille" - dança de quatro pares - e os comandos dados pelo marcador da quadrilha vem do francês como por exemplo o famoso "Anarriê", do francês En arrière (um passo atrás (Ramos, 2012). Como manifestação da nobreza europeia, ela chega ao Brasil a partir das festas da corte portuguesa no Rio de Janeiro, se espalha pelo interior do continente e vai ganhando os traços caipiras e do sertão brasileiro. 

Como o momento da classe trabalhadora camponesa festejar suas conquistas era o período entre-safras, as danças de quadrilhas passaram a ser manifestações incorporadas pelas festas juninas que já era tradição nos sertões do Brasil. Eram momentos de agradecer pela colheita, fazer orações a santos padroeiros - santos juninos  como Antônio, João e Pedro -, momentos também de se casar, pois depois voltava à nova safra e aos trabalhos na roça. As danças de quadrilhas então, passam a ser realizadas em festas de casamentos no mês do santo casamenteiro - Santo Antônio.

No final do século XIX (por volta de 1890) o Brasil entra no processo de industrialização e urbanização, as pessoas são estimuladas e, muitas vezes, obrigadas a saírem do campo e partirem para as cidades em busca de outras alternativas de trabalho diante da opressão dos grandes "barões" da terra sobre os camponeses e do interesse das indústrias em ter concentração de pessoas para trabalho e consumo de seus produtos nas cidades.

As festas juninas passam a ser uma forma de representar a vida do campo na cidade e marcar o imaginário popular sobre a história de uma sociedade de origem agrária como é a brasileira. As representações foram ganhando o etnocentrismo citadino, a vida urbana e a modernização das cidades foram distorcendo as leituras sobre as manifestações camponesas, aliadas à uma literatura e educação urbana que via no homem e na mulher do campo pessoas ignorantes, rudes, preguiçosas, etc. o termo roça e roceiro que antes eram sinônimos de orgulho passam a ser ressignificados como termos pejorativos. 

As festas juninas, principalmente nas regiões sudeste e centro-oeste passam a retratar de forma pejorativa os povos do campo, escolas que reproduzem a ideia do "Jeca-Tatu". Em trabalho recente desenvolvido com movimentos camponeses, pude ouvir de crianças e adolescentes do campo que se sentem envergonhados com as festas juninas de suas escolas. Calças remendadas, andado desajeitado, roupas rasgadas, chapéu furado vão se tornando figurino preferido das festas juninas nestas regiões. Completamente o contrário de todo glamour e pompas das quadrilhas nos tempos de vida no campo. 

O camponês e a camponesa vestiam as melhores roupas, os dançarinos das quadrilhas esbanjavam brilhos, coloridos, armações nos vestidos, tudo para se aproximar das festas das cortes. O cetim, a ceda e o linho davam lugar aos vestuários cotidianos da lida com o trabalho no dia-a-dia do campo. Acredito que a vontade em querer expressar mais a vida "difícil" do camponês, a partir da leitura do citadino, e menos as quadrilhas como danças da época, é que pode ter transformado as quadrilhas em um "espetáculo" etnocêntrico e, algumas vezes, preconceituoso quanto a vida e o mundo rural. 

Ao visitar as páginas de grupos sociais de quadrilheiros pela internet, ler artigos, revistas e jornais, percebe-se que a maior parte das manifestações de quadrilhas que expressam o rural rude e atrasado está basicamente nas escolas de educação básica. Em busca de uma identidade camponesa mais forte e de valorização de suas culturas e saberes, os movimentos sociais do campo como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, Comissão Pastoral da Terra - CPT, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais STTRs, entre outros, vêm propondo ações e projetos educacionais como Pedagogia da Terra, Pedagogia da Alternância, Escolas Família Agrícola, onde as manifestações culturais entram em pauta, entre elas as quadrilhas e as festas juninas no campo e nas cidades. Neste contexto, abordam, também, outras manifestações que expressam o mundo rural como a Catira, Carimbó, Folias de Santo Reis e do Divino, Sússia, Jiquitaia, entre outras. Mas a grande questão é: como desconstruir o estereotipo pejorativo do homem e da mulher do campo na sociedade hegemonicamente urbana brasileira? As quadrilhas por tudo que representam no imaginário da sociedade pode contribuir nesse processo?

Duas grandes regiões geográficas se tornaram fortes nas manifestações de quadrilhas, a região caipira do interior do  Centro-Oeste, acrescida e parte do interior de São Paulo e Minas Gerais e a Região Nordeste. Nesta última podemos encontrar festas juninas carregadas de pompas e glamour. De vestidos caros, figurinos típicos de peças musicais e um repertório de enredos que contam diversas histórias a partir da literatura (principalmente o cordel) e história regional. A presença das figuras do Rei e da Rainha, do Noivo e da Noiva, de uma certa forma, busca se aproximar da tradicional quadrilha do século XIX. Campina Grande, na Paraíba se torna uma referência nacional do gênero no país. A migração de pessoas dessa região para Brasília, São Paulo e Palmas fortaleceu este gênero em festivais de quadrilhas existentes nessas localidades. Tocantinópolis, no norte do Tocantins, realiza o Festival Arraial da Alegria de Tocantinópolis com seus 26 anos de existência. Em lugares como no interior do Rio de Janeiro, Brasília, e em Goiânia grupos de quadrilhas se organizam para apresentar danças caipiras tentando expressar a cultura rural sem cair no estereotipo do caipira desarrumado e maltrapilho.

A Confederação Nacional de Entidades de Quadrilhas vem realizando encontros e divulgando por todo o país a realização de campeonatos e festivais de quadrilhas. No facebook podemos encontrar a comunidade Os Quadrilheiros do Brasil. A aproximação dos movimentos camponeses com os movimentos quadrilheiros pode ser de grande importância para ambos movimentos. De um lado os quadrilheiros passam a ter contato maior com a vida e a realidade do campo na atualidade e por outro os movimentos sociais do campo podem difundir melhor suas culturas e identidades evitando grandes distorções e diminuindo o urbanocentrismo sobre suas culturas. 

E vamos que vamos, que o pé-de-moleque, o quentão, o milho verde, a pamonha e a canjica me esperam. 

Abraços

Prof. Ubiratan Francisco
Educação do Campo - UFT Tocantinópolis