domingo, 27 de março de 2011

Direitos Iguais na Diferença: Gênero e Raça na luta sindical

Fiquei um bom tempo me preparando para escrever este pequeno texto sobre a abordagem de políticas permanentes no movimento sindical Cutista dos últimos anos. Pensei sobre qual a melhor maneira de iniciar este diálogo com os companheiros e companheiras do movimento sindical do Brasil, principalmente da Região Centro Oeste – que é minha área de atuação na Escola Sindical Apolônio de Carvalho. Pensei se começaria conceituando raça e gênero e, partindo da etimologia, iniciaria um trajeto metodológico que chegasse até suas dimensões sociopolíticas da sociedade contemporânea. Poderia também, iniciar a partir da leitura das origens das desigualdades sociais no Brasil e como mulheres e negros se encontram nesse contexto. E muitas alternativas foram passando por minha mente.

Mas, num instante, algumas lembranças de nossa trajetória educativa vieram nos orientar neste pequeno ensaio. Lembrei-me de um momento em que iniciávamos um curso de formação sindical para dirigentes de um sindicato em Goiânia, quando um dos mais antigos e respeitados diretores desse sindicato destacou em sua fala: “Aproveitem bastante esse momento de formação, pois vocês precisam disso!! Nós não!! Nós já sabemos de muita coisa por que já fizemos todos os cursos de formação sindical que pudemos participar.”

Ao final dos trabalhos após termos trabalhados todos os conteúdos propostos, inclusive, os temas sobre as políticas permanentes da CUT (Raça, Gênero, Diversidade Sexual, etc.), nos deparamos com esse mesmo dirigente “sabidão” contradizendo a linha política da CUT ao dizer que: “onde já se viu cotas pra pretos? Onde esse mundo vai parar?” ou então nos momentos de “descontração” em que foi pego contando piadas preconceituosas contra a mulher, negros, nordestinos, estrangeiros, etc. afinal, tente encontrar alguma piada que não seja de cunho preconceituoso.

Mas após as intervenções do dirigente sindical, podemos fazer algumas reflexões: primeiro que a formação deve ser contínua e permanente, afim de atualizar o conteúdo com as mudanças da nossa sociedade; segundo, que, fica a dúvida sobre seu compromisso com os cursos que andou fazendo na CUT, pois os debates acerca das questões raciais e de gênero não são de agora no movimento sindical; terceiro é que devemos levar em consideração o padrão político conservador que precisamos destruir na esquerda e nos movimentos sociais da região Centro Oeste, ou seja, precisamos lutar contra o “vírus-social” do machismo e racismo impregnados da herança coronelista que temos.

O material produzido pela Secretaria Nacional de Formação da CUT – SNF – para o curso de Organização e Representação Sindical de Base (ORSB) traz em seu primeiro fascículo a história das diferenças sociais no Brasil com um bom enfoque à questão racial e a forma violenta com que os negros no Brasil foram excluídos de todas as formas possíveis de políticas públicas para o desenvolvimento humano.

Com o fim do processo de abolição da escravidão, sem participação dos quilombolas e dos abolicionistas comprometidos com os direitos civis, termina a exploração através de trabalhos forçados e tem início a mais perversa exclusão social... [...] A formação os primeiros núcleos de favelas nas grandes cidades, como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo coincide com o processo de abolição da escravatura. Segundo alguns estudos, a “liberdade” do negro não foi acompanhada de oportunidade de acesso a terra, ao contrário, os ex-escravos foram proibidos por Lei de ter propriedades rurais. [...] Para os senhores de terra e escravos e para as elites políticas da época, se tratava de virar a página da história, como se isso fosse possível. Pelo menos é o que indica a total ausência de políticas de integração do negro na sociedade e na vida econômica do país e o seu confinamento nas periferias das cidades. Ou seja, nenhuma indenização, nem acesso à educação ou formação profissional e muito menos acesso à terra e à moradia. Portanto, mais que um processo de exclusão social pode-se falar também em exclusão étnica ou racial. (CUT, 2010, p. 14)

Precisamos, de fato, enxergar a questão étnica-racial como fato social e como tal, ser encarada como uma verdadeira e legítima luta de classe. As estratégias da direita ultraconservadora de nosso país têm nos colocado uns-contra-os-outros em nossa própria classe de trabalhadores e trabalhadoras ao afirmarem, categoricamente, que a luta pela inclusão social não pode ter as questões étnicas-raciais, de gênero ou diversidade sexual, inserida em sua pauta de “classe trabalhadora”. Precisamos ter cuidado quando nossos verdadeiros inimigos proclamam por nós a “democracia social”. É no mínimo um equívoco quando um trabalhador ou trabalhadora se posta contra as cotas raciais nas universidades em conjunto com o relatório do Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), inimigo histórico da causa trabalhadora no país e aliado da oligarquia ruralista herdada pela UDR no Centro-Oeste.

Com um discurso impregnado de meritocracia excludente, os adeptos dessa linha de raciocínio ignoram a história da luta de classes no Brasil e suas profundas relações com a violência contra negros, indígenas e, principalmente mulheres, que, ao longo de mais de três séculos estiveram à mercê violência praticada por forças brancas e machistas da oligarquia portuguesa na “Colônia Brasil”. Precisamos, acima de tudo, compreender que a luta por direitos iguais se faz na diferença, seja ela, racial, étnica ou de gênero.

No movimento sindical não podemos mais aceitar que pesquisas apontem o machismo como marca profunda das práticas sociais de nossos companheiros e companheiras. Em uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), intitulada como “Retratos da Escola”, de abril de 2003, podemos observar que 36% das trabalhadoras da educação fazem as atividades do lar sozinhas e das que figuram entre 22% que contratam alguém, tiram do seu próprio salário o ônus da contratação. Isso, nos mostra o perfil machista de nossa sociedade retratado na educação brasileira.

Quando companheiras que estão à linha de frente da escola e, portanto, com oportunidades de proporcionar mudanças sociais significativas se deparam com problemas clássicos em seu cotidiano podemos dizer que precisamos ainda caminhar muito e a passos longos para uma possível transformação dos hábitos e costumes tradicionais e conservadores.

Como falar em conquistas no mundo do trabalho sem ponderar a necessidade de equiparação de salário de nossas companheiras que recebem menos que os homens, mesmo exercendo a mesma função? A Convenção 100 da OIT, “concernente à igualdade de Remuneração de mão-de-obra masculina e mão-de-obra feminina por um trabalho de igual valor.” A convenção 111, já nos diz respeito à luta contra discriminação por raça, cor, sexo, opinião política, nacionalidade, dentro das corporações empresariais. A verdade é que a situação de salários desiguais para a mesma função piora quando se trata da mulher negra que, em geral, recebe menos que a mulher branca que já recebe menos que os homens brancos e estes também recebem mais que os homens negros.

Durante um de nossos encontros formativos na Escola Apolônio de Carvalho, a Professora e Pesquisadora em Geografia, Lorena Francisco, nos apresenta o seguinte gráfico sobre o rendimento da população branca e negra em nosso país, por regiões brasileiras.


Observando melhor o gráfico, podemos verificar que, mesmo na região onde o rendimento é menor, ou seja, a região mais pobre do país, no caso do gráfico, o Nordeste, a população negra ainda recebe menos que a branca, repetindo a lógica de todas as regiões brasileiras. Dessa forma, podemos concluir que, mesmo se tratando de diferenças de classes, a população negra vive em situação pior que seus companheiros e companheiras de classe social.

Essa situação sócio-econômica vai influenciar no desenvolvimento educacional dos negros e das negras do Brasil como também nos apresentou a Professora Lorena Francisco no gráfico seguinte. Em média, os alunos e alunas negro e negras estudam 2,3 anos a menos que os de cor branca. Segundo pesquisa desenvolvida por ela, essa diferença é histórica e, mesmo quando a taxa de escolaridade aumenta em ambas as raças, a diferença segue presente entre elas.

Ora, como construir a luta da classe trabalhadora no Brasil sem levar em consideração esses números? Como o patronato reagirá diante das estatísticas ao proporcionar a inserção de ambas as raças no mercado de trabalho? Aliás, não seria algo programado, uma vez que é o mesmo patronato da escravatura do Brasil Colonial? Podemos refletir mais ainda sobre a inexistência de uma “democracia racial” ao compararmos os dados sobre estudantes do ensino básico e do ensino superior por cor. Se temos  maioria negra no ensino básico, essa lógica não deveria ser a mesma no ensino superior? Por que essa maioria de negros não conseguem acessar as universidades, em especial, as de caráter público? Que sistema de avaliação é esse? Ou que nível de ensino é proporcionado a essas classes sociais?

Podemos observar que a diferença já começa a mudar de rumo no próprio Pré-vestibular, que meso sendo em pouco número, já há uma inversão entre alunos(as) brancos(as) e negros(as).
Nós, quanto legítimos defensores da classe trabalhadora, ainda vamos fechar os olhos para esses números? Para essas realidades? Sei que logo alguém pode vir aqui e questionar: Mas, é preciso melhorar a qualidade do ensino básico para proporcionar a igualdade racial na educação e não implantar as cotas!!!! Ou então, essas cotas vão proporcionar a precarização do ensino superior, que terá que se adaptar às condições desses e dessas estudantes!!!, Ohhhh!! Gritam as vozes da justiça de classes!! Gritam as vozes que defendem a “democracia racial” da esquerda brasileira!!

Tudo bem que precisamos, urgentemente, iniciar um processo de melhoria da qualidade do ensino básico no Brasil, essa melhoria vem, inclusive, com a valorização dos profissionais da educação, melhoria das condições de trabalho nas escolas e das estruturas para receber essa imensa demanda. Mais que isso, é preciso que se pense em que modelo de educação vai nos basear para tal transformação. Esse modelo que ai está? Já paramos para pensar além das nossas lutas trabalhistas, o tipo de sociedade que queremos? E o que nossa categoria tem a contribuir para implantar essa sociedade ideal?

Companheiros e companheiras!! Serão necessários quase que cinqüenta anos, metade de um século, de espera para que essa nova educação seja uma realidade em nosso país. Se levarmos em consideração que temos, aproximadamente 80 anos de educação pública brasileira, veremos que é como construir um novo sistema educacional. Por outro lado, as mudanças precisam ser emergentes, já não podemos esperar tanto tempo assim, mesmo pra quem esperou séculos. Mas, uma coisa já foi constatada, o desenvolvimento humano é surpreendente e colocou em xeque o sistema de avaliação que adotamos no país ao constatar que estudantes cotistas tiveram bons e ótimos rendimentos nas universidades que adotaram o sistema de cotas. A classe trabalhadora negra de nosso país nos deu como resposta que é preciso oferecer a oportunidade que ela faz a diferença.

Em 25 de maio de 2008, é publicada a notícia sobre o desempenho de alunos cotistas no portal WWW.terra.com.br com o título: IPEA: cotistas têm melhores notas em universidades.
No universo de 54 universidades públicas que nos últimos oito anos adotaram o sistema de cotas no País, em ao menos quatro, distribuídas pelos principais Estados, alunos negros apresentam desempenho próximo, similar ou até melhor em relação aos não-cotistas. Resultados iniciais do aproveitamento de cotistas na Unicamp, Universidade Federal da Bahia (UFBa), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), derrubam mito de que, graças à ação afirmativa, alunos negros estariam "entrando pela janela" das instituições superiores da rede pública. As notas lhes abriram o caminho da porta da frente.
Isso, já é suficiente para quebrar qualquer argumento contrário às cotas no país, mas não paramos por ai. Podemos também questionar por que nunca ninguém falou nada da chamada “cota do boi” quando os coronéis tinha vagas garantidas nos cursos de Medicina, Engenharia e Direito nas melhores universidades públicas do país. Vejam só, ninguém os chamou de “burros” ou “desqualificados” para estarem lá. Por outro lado, por que, não houve todo esse fervoroso debate quando se implantaram em todo o Brasil cursos de nível superior sem processo de vestibular para professores e professoras que já estavam em sala de aula? Não se questionou o curso de Pedagogia Indígena  para essa população?

A resposta pode ser que para a área da docência não se têm disputa de classes, já é destinado à classe trabalhadora por natureza. Mas entrar no campo dos “DOUTORES” já é uma façanha, uma ousadia, que jamais poderíamos pensar em fazer.

No campo da relação de gênero, nós não podemos pensar apenas na questão salarial. É preciso pensar nas condições de trabalho e a forma diferenciada de tratar a mulher trabalhadora. Sua luta pela creche, pela licença maternidade é uma realidade que muitas vezes não entram nas pautas de negociação coletiva das categorias de trabalhadores e trabalhadoras. A luta pela legitimidade da responsabilidade paterna dentro do local de trabalho também é uma realidade a se verificar. Afinal, é preciso que patrões e companheiros assumam que a responsabilidade pelos filhos não é apenas da mulher. Que é algo a ser compartilhado entre companheiro e companheira.

É preciso entender que nossos sindicatos precisam parar de “torcer o nariz” quando se fala em cotas de gênero para compor diretoria, fazer formação sindical e que a educação de gênero é algo necessário para diminuir a violência contra a mulher, praticada por trabalhadores das mais variadas categorias do nosso mundo do trabalho. Somente assim, poderemos criar um movimento sindical melhor para também, lutar por um mundo melhor e mais IGUAL NAS DIFERENÇAS.

Professor Ubiratan Francisco de Oliveira
Mestre em Geografia pelo IESA-UFG e Assessor de Formação Sindical da Escola Centro Oeste da CUT Apolônio de Carvalho 2009 a 2012 e Professor da Rede Estadual de Ensino em Goiás

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