terça-feira, 1 de março de 2011

"Geografizando" Belchior: A migração e o migrante na sociedade contemporânea

Já não é novidade alguma o uso de poemas e músicas em aulas de Geografia, basta passar o olhar pelos anais dos encontros nacionais de práticas de ensindo de Geografia realizados nas utlimas décadas, nas revistas de educação e/ou de Geografia e veremos uma enormidade de experiências em sala de aula. Músicas, causos, poemas, contos, histórias em quadrinhos, etc., vêm sendo "geografizados" por professoras e professores de todos os níveis de educação. Isso, de uma certa maneira, fortaleceu a tradicional "Geografia Regional" ao enfatizar as categorias região, lugar e território que se entrelaçam nas identidades e nas diferenças existentes na arte de regiões distintas, de povos distintos e, portanto, de espaços distintos.

O encanto e o estranhamento ao diferente são inevitáveis, mas o que se procura é fazer valer o respeito e a aceitação às diferenças, fazer valer a luta por um mundo tolerante e menos xenófabo. As mudanças na sociedade contemporânea fizeram intensificar os fluxos migratórios que colocaram várias identidades na disputa pela hegemonia territorial do Brasil. Nessa disputa existem as dimensões econômicas e culturais. A luta pelo trabalho e pela sobrevivência nos grandes centros urbanos reflete na rejeição à cultura daqueles que chegaram de fora. Essa rejeição pode se fortalecer e envolver a dimensão política como aconteceu em São Paulo nas ultimas eleições presidenciais em que a internet foi palco de uma das maiores manifestações xenófobas, neonazistas e neofacistas da política brasileira. Manifestações de intolerância e ódio pelo migrante. De falta de humanismo, de amor à vida e qualquer outro sentimento que possa degradar a vida humana na nossa sociedade.

Procurando dispertar um olhar crítico dos (as) estudantes da Educação de Jovens e Adultos, da escola em que eu leciono, trabalhamos o conteúdo migração e trabalho com textos didáticos que apresentaram os conceitos de migração, trabalho, desterritorialização e reterritorialização, identidade, etc., com muita conversa e prosa descontraída, procuramos nos enxergar nesse contexto social e cultural do migrante, lembrando que temos maioria de migrantes nas turmas de EJA. Mas no final do conteúdo, fomos trabalhar a interpretação da letra da música Fotografia 3x4, de Belchior.

Metodologicamente, apresentamos a letra sem a música, para que não houvesse rejeção à proposta por conta dos gostos de gênero musical. Logo após a leitura da letra foi momento para realização de atividade que amarrasse a enredo musical ao conteúdo apresentado anteriormente. O que o autor diz? Em qual momento a música deixa claro que se trata de um processo migratório? Como o autor relata a vida de um migrante na cidade grande? Onde ele viveu e de onde ele saiu? O trabalho dispertou interesse da turma do 2º Semestre da 2ª Etapa para ouvir a música que eles tanto "dissecavam" ou "devoravam" atentamente.

A experiência está sendo ótima e realemente comprova que a arte nos aproxima da realidade e, paradoxalmente, nos tira do "país das maravilhas".

Vamos apresentar a letra e um breve comentário sobre a letra da música no final.

Fotografia 3x4 - Belchior

Eu me lembro muito bem do dia em qe eu cheguei
Jovem que desce do norte pra cidade grande
Os pés cansados e feridos de andar légua tirana
E lágrimas nos olhos de ler o Pessoa e ver o verde da cana

Em cada esquina que eu passava um guarda me parava,
Pedia os meus documentos e depois sorria,
Examinando o três-por-quatro da fotografia
E estranhando o nome do lugar de onde eu vinha

Pois o que pesa no norte, pela lei da gravidade,
Disso Newton já sabia! cai no sul grande cidade
São Paulo violento, corre o rio que me engana
Copacamana, zona norte e os cabarés da Lapa onde eu morei

Mesmo vivendo asssim, não me esqueci de amar
que o homem é pra mulher e o coração pra gente dar,
mas a mulher que eu amei não pôde me seguir Ohh Não!!
Esses casos de família e de dinheiro eu nunca entendi bem

Veloso o sol não é tão bonito pra quem vem do norte e vai viver na rua
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas pra dizer.

A minha história é... talvez, é talvez igual a tua,
jovem que desce do norte e que no sul viveu na rua
e que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo
e que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como você
Eu sou como você que me ouve agora
Eu sou como você, eu sou como você.

Comentário geral sobre a letra de Belchior

A música, em seu início, mostra bem o momento de encantamento do migrante com o novo lugar e com a nova vida, ler o poeta Fenando Pessoa foi inspirador para ele e o encanto com a paisagem verde e "farta" das lavouras. O estranhamento, o preconceito e a recepção ao migrante mostra que a vida dele no lugar distante não será fácil, as abordagem policiais são marcas de práticas de estranhamento.

Mas o migrante também tem seus momentos de estranhamento e rejeição à cidade e contrapõe tudo isso às contradições com o lugar de origem, a violência e os lugares agitados diante da vida "sossegada" e "pacata" do interior e sua terra natal. Contudo, a vida distante de casa, o sofrimento, o encanto ao novo e a adaptação não tira do ser seus sentimentos construídos na vida "passada", ele traz seus amores e suas paixões e e convicção de vida consigo.

O espírito de luta é uma das marcas do migrante, sobrevivência e superação que se tornam aprendizado para ele e para os outros que estão ao seu redor. E, por fim, o encerramento da música é com chave de ouro, quando o autor busca a sensibilização de que o migrante é gente como os outros e sua violência é fruto da vida social e, portanto, não menos e nem mais violento que os outros do lugar.

Saudações Geográficas a Todos e Todas

Ubiratan Francisco de Oliveira
Professor de Geografia

Um comentário:

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